sábado, 21 de novembro de 2009

O neoliberalismo está "vivinho da silva"


O recente colapso da economia mundial, causado predominantemente pela falta de regulação dos mercados financeiros, provocou uma erosão na credibilidade do neoliberalismo. No entanto, segue exercendo uma forte influência na maioria dos economistas e dirigentes de empresas, sobretudo pela ausência de uma doutrina alternativa. Por que a contínua invocação dos mantras neoliberais quando as promessas desta teoria foram contraditadas pela realidade em quase todas as ocasiões? O artigo é de Walden Bello.

Manila, Nov (IPS) – O recente colapso da economia mundial, causado predominantemente pela falta de regulação dos mercados financeiros, provocou uma erosão na credibilidade do neoliberalismo. No entanto, segue exercendo uma forte influência na maioria dos economistas e dirigentes de empresas, sobretudo pela ausência de uma doutrina alternativa.

Por que a contínua invocação dos mantras neoliberais quando as promessas desta teoria foram contraditadas pela realidade em quase todas as ocasiões?

O neoliberalismo é uma perspectiva que advoga a favor do mercado como o principal regulador da atividade econômica, enquanto busca limitar ao mínimo a intervenção do Estado.

Em tempos recentes, o neoliberalismo foi identificado com a própria ciência econômica, dada sua hegemonia como um paradigma dentro da disciplina, que induz à exclusão de outros enfoques.

Dado que a economia é vista em muitos setores como uma ciência irrefutável, quase como a física (é a única ciência social para a qual há um Prêmio Nobel), o neoliberalismo teve uma tremenda e penetrante influência não só em âmbitos acadêmicos, mas também nos meios políticos. Enquanto a Universidade de Chicago, lar do guru neoliberal Milton Friedman, se converteu em fonte de sabedoria acadêmica, em círculos tecnocráticos o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial foram vistos como instituições-chave que levaram esta teoria à política com uma série de prescrições que eram aplicáveis a todas as economias.

É surpreendente comprovar como só recentemente o liberalismo se transformou em um paradigma hegemônico. Até meados dos anos 70, as orientações econômicas keynesianas, que promoviam uma boa dose de intervenção estatal como necessária para a estabilidade e um crescimento econômico constante, eram a ortodoxia. No chamado Terceiro Mundo, o desenvolvimentismo, que prescrevia os princípios keynesianos para as economias que estavam insuficientemente penetradas e transformadas pelo capitalismo, era o enfoque predominante. Havia um tipo conservador de desenvolvimentismo e outro progressista, mas ambos viam o Estado como o mecanismo central do desenvolvimento.

Creio que há três razões pelas quais o neoliberalismo, apesar de seus fracassos, segue sendo dominante.

Em primeiro lugar, em certos países em desenvolvimento como Filipinas, a corrupção continua sendo considerada geralmente como uma explicação para o subdesenvolvimento. Deriva daí o argumento segundo o qual o Estado é a fonte da corrupção e o incremento do papel do Estado na economia, inclusive como regulador, seja visto com ceticismo. O discurso neoliberal concorda perfeitamente com esta teoria da corrupção, minimizando o papel do Estado na vida econômica e sustentando que tornar as relações de mercado dominantes nas transações às custas do Estado reduzirá as oportunidades para a corrupção tanto dos agentes econômicos quanto dos estatais.

Por exemplo, para muitos filipinos o Estado corrupto foi e segue sendo o principal obstáculo para a melhoria do nível de vida. A corrupção estatal é vista como o maior impedimento para o desenvolvimento econômico sustentável. A corrupção, por óbvio, deve ser condenada por razões morais e políticas, mas a suposta relação entre corrupção e subdesenvolvimento tem, de fato, pouca base.

Em segundo lugar, apesar da profunda crise do neoliberalismo, não surgiu ainda nenhum paradigma ou discurso alternativo convincente nem local nem internacionalmente. Não há nada parecido com o desafio que os princípios keynesianos colocaram ao fundamentalismo do mercado durante a Grande Depressão dos anos 30 do século passado. Os desafios apresentados por economistas estelares como Paul Krugman, Joseph Stiglitz e Dani Rodrik continuam enquadrados dentro dos limites da economia neoclássica.

Em terceiro lugar, a economia neoliberal segue projetando-se com a imagem de uma “ciência irrefutável” em razão de ter introduzido meticulosamente a tecnologia matemática. Como seqüela da recente crise financeira, esta extrema aplicação da matemática foi objeto de críticas dentro da própria profissão. Alguns economistas sustentam que o predomínio da metodologia sobre a substância converteu-se na finalidade da prática econômica e, consequentemente, a disciplina perdeu contato com as tendências e os problemas do mundo real.

Vale a pena notar que John Maynar Keynes, que era uma mente matemática, se opôs à “matematização” da disciplina precisamente pelo falso sentido de solidez que dava à economia. Como registrou seu biógrafo Robert Skidelsky, “Keynes era notoriamente cético acerca da econometria” e os números “eram para ele simplesmente pistas, indicações, gatilhos para a imaginação”, ao invés de expressões de certezas sobre fatos passados e futuros.

Superar o neoliberalismo, portanto, requer ir além da veneração dos números que, freqüentemente, cobrem a realidade, e ir além também do suposto cientificismo neoliberal.

(*) Walden Bello, é deputado da República das Filipinas e analista do centro de estudos Focus on the Global South (Bangkok)

Tradução: Katarina Peixoto

domingo, 8 de novembro de 2009

A Esquerda depois do Muro (Emir Sader)



07/11/2009

A Esquerda depois do Muro

A queda do Muro de Berlim marca o fim do período aberto com a Revolução Soviética de 1917 que – para dizê-lo em palavras de Georgy Lukacs – colocou o socialismo como um tema da “atualidade histórica”.

As lutas revolucionárias, mesmo na atrasada periferia capitalista, passaram a ter o socialismo como objetivo.

A passagem do capitalismo à sua fase superior, o imperialismo - segundo a clássica analise de Lenin, confirmada pelas duas guerras mundiais, ambas interimperialistas – constituía uma cadeia mundial que articulava a todas as sociedades existentes.

A Revolução Soviética era explicável nessa lógica e se via como possivel “saltar etapas”, construir uma revolução anticapitalista dirigida pelo proletariado.

“Revolução socialista ou caricatura de revolução”, disse décadas depois o Che, sintetizando o significado da atualidade da revolução socialista.

Os grandes debates da esquerda se davam então em torno das estratégias diretamente socialistas ou etapistas, reformistas ou revolucionárias, parlamentares ou insurrecionalistas, mas sempre na direção do socialismo.

O tema do poder e da profundidade que deveriam ter as transformações uma vez alcançado esse objetivo, estavam também no centro dessa discussão.

O proceso chileno do começo dos anos 70 é um claro exemplo desses debates e dilemas. Discutiam-se as vias de construção do socialismo, mas não o objetivo em si, o socialismo – mesmo

Allende tendo sido eleito com um terço dos votos e a Unidade Popular ter conseguido aumentar para um máximo de 43% dos votos seu apoio. Ainda assim Allende começou a colocar em prática um programa que pretendia expropriar as 150 maiores corporações instaladas no Chile.

Mas como destruir o capitalismo e constuir o socialismo, sem contar com o apoio da grande maioria do país? A esse dilema teve que se enfrentar a esquerda chilena, sem nunca questionar se as condições para a implantação imediata do socialismo estavam dadas.

1989 e suas consequências imediatas – o fim do campo socialista, da URSS e da bipolaridade mundial – fizeram com que o mundo ingressasse em um novo periodo histórico.

Terminou a etapa da bipolaridade e o socialismo desapareceu da agenda mundial como “atualidade histórica”. A isto se somou a adesao da China a uma economia de mercado e a virada de Cuba para uma situação de defensiva, durante seu “período especial” e, no campo da esquerda, ter como objetivo central a luta antineoliberal.

Esse novo período se caracterizou tambem pela passagem de um ciclo longo expansivo do capitalismo – que Hobsbawn caracterizou como “a era de ouro capitalismo”, do segundo pós guerra à crise de 1973 – a um ciclo longo recessivo e por passar da hegemonía de um modelo regulador (ou keynesiano ou de bem-estar social) a um modelo desregulador, neoliberal.

A combinação dessas três viradas – todas de carater regressivo – fizeram com que a esquerda passasse de um protagonismo esencial a uma situação de defensiva e de perda de iniciativa.

Sua nova cara apareceu com o Fórum Social Mundial, que levantou um lema minimalista, já não mais anticapitalista e socialista, mas simplesmente “Um outro mundo é possível”. Não se menciona que mundo será esse, ainda que se possa deduzir que seja antineoliberal, mas não necesariamente anticapitalista.

Nesses lemas a referência ao capitalismo desaparece, mesmo se se faz referência direta à mercantilização – “O essencial não tem preço” -, característica essencial das análises de Marx.

Com o muro caiu tambem uma determinada maneira de interpretar o mundo.

Na era bipolar havia duas interpretacoes em disputa: uma considerava que a contradiçãao fundamental no mundo contemporâneo era entre capitalismo e socialismo; a outra acreditava que era entre democracia e totalitarismo.

Com a vitória do bloco occidental triunfou tambem sua versão do mundo e a democracia liberal passou a ser sinônimo de democracia, enquanto a economia capitalista se tornou equivalente a economia.

O tamanho da derrota e dos retrocessos para a esquerda foram enormes e, ao mesmo tempo, difíceis de medir concretamente. Basta dizer que a chamada “globalização” se erigiu em alguns dos seus aspectos fundamentais sobre esses reveses. A incorporação ao mercado mundial de territórios que estavam parcial ou totalmente subtraídos dessa órbita, como a China, os países do leste europeu e a Rússia.

As empresas estatais foram maciçamente transferidas para o mercado mediante extensos e acelerados processos de privatização. Recursos naturais como a água foram mercantilizados e passaram a mãos privadas. Os direitos à saúde e à educação foram transformados em bens negociáveis no mercado.

Os Estados planificadores foram reduzidos ao Estado mínimo. A abertura dos mercados debilitou as soberanias nacionais. A maior parte dos trabalhadores deixou de ter a segurança dos contratos de trabalho.

Vítimas privilegiadas deste novo período foram a classe trabalhadora e o movimento sindical; o socialismo e as forças de esquerda; o Estado, os partidos e a política; a planificação econômica e as soluções coletivas. O individualismo possessivo, o mercado, o egoísmo, o consumismo, os shopping centers, as grandes marcas, as empresas como símbolo do dinamismo econômico, entre outros valores, passaram a constituir o novo modelo econômico.

O neoliberalismo tornou-se dominante não apenas como política de governo, mas como modelo hegemônico, como valores, como forma de vida.

Nesse marco, o que caracteriza a esquerda do século XXI, aquela posterior à queda do Muro?

Antes de tudo, ser antineoliberal. O neoliberalismo representa a forma mais desenvolvida do capitalismo, porque promove a seu nível mais alto a mercantilização, a transformação de tudo em mercadoria, a conversão do mundo em um lugar em que tudo tem preço, tudo se vende, tudo se compra.

É o modelo hegemônico que articula todo o sistema econômico, político e ideológico do poder mundial. Mas o que significa ser antineoliberal?

Não somente opor-se e resistir às políticas neoliberais, mas desmercantilizar, afirmar direitos contra a competição do mercado, construir a esfera pública contra a esfera mercantil. Na América Latina é onde a nova esquerda pós-Muro de Berlim mais se desenvolveu. É aqui onde o neoliberalismo nasceu. Aqui os governos dessa tendência mais se multiplicaram e da forma mais radical. Nossa região reagiu frente às graves consequências dessas políticas, elegendo, desde 1998, o maior número de governos progresistas da nossa história. Governos que têm diferenças em suas políticas, mas todos se caracterizam por dois elementos essenciais: todos eles privilegiam os processos de integração regional contra os Tratados de Livre Comércio com os EUA e o privilégio que dão às políticas sociais em contraposição ao privilégio dos ajustes fiscais do neoliberalismo.

Esta nova esquerda, nascida da resistência ao neoliberalismo, tem assim diferenças no seu interior: por um lado estão os governos mais moderados, como os do Brasil, da Argentina, do Uruguai, do Paraguai, de El Salvador, da Nicarágua; e os mais radicais, como os da Venezuela, da Bolívia, do Equador, de Cuba.

Mas todos se colocam como objetivo a superação do neoliberalismo, alguns para construir modelos pós neoliberais, outros para avançar na direcao do anticapitalismo e do socialismo.

Trata-se de uma esquerda que se deu conta de que não basta resistir, denunciar e protestar – tarefas indispensáveis de quem se opõem a um mundo dominado pelo poder das armas, do dinheiro e do monopólio da palavra -, mas que também é preciso construir o “outro mundo possível”, como alternativa concreta, para o que é preciso disputar hegemonia, inovar projetos e vias, se lançar a criar a esquerda do século XXI, para que os reveses tenham sido tropeços e não quedas, e as lições sirvam para avançar em lugar de seguir chorando sobre o Muro caído.

Postado por Emir Sader às 14:51

sábado, 7 de novembro de 2009

Vinte anos após a queda do muro, comunistas governam 7 países e 20% da população mundial

Haroldo Ceravolo Sereza
Do UOL Notícias
Em São Paulo

Vinte anos após o começo do "fim do comunismo", partidos comunistas governam sete países. Cinco destes governos já existiam antes do colapso do sistema soviético, em 1991, e mantêm o poder concentrado num sistema de partido único ou próximo disto - China, Cuba, Coreia do Norte, Vietnã e Laos. Em outros dois, os PCs lideram governos eleitos democraticamente - Chipre e Nepal.

Os sete países contam com uma população estimada de quase 1,5 bilhão de pessoas (1,34 bilhão vive na China; o segundo mais populoso é o Vietnã, com quase 87 milhões de habitantes), ou pouco mais do que 22% dos 6,7 bilhões de pessoas se estima viverem sobre Terra.

Além disso, os partidos comunistas próximos às duas linhas mais tradicionais - a soviética e chinesa - participam de vários governos do mundo, em países que são capitalistas. É o caso da África do Sul, em que os comunistas são parte fundamental do Congresso Nacional Africano, de Nelson Mandela e de todos os presidentes após o fim do regime do apartheid, em 1994. No Brasil, com o PC do B, eles também integram o governo, com menor força.

Partidos comunistas têm força significativa em outros dois países dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul): na Rússia, o PC é o maior partido de oposição ao grupo político do primeiro-ministro e ex-presidente Vladimir Putin, e na Índia, é o maior partido em alguns Estados.

A força política dos partidos comunistas passa, no entanto, por, pelo menos, mais flexibilização econômica na maioria dos casos, além de mudanças na postura em relação a ex-inimigos e novos aliados.

Na China, em especial, mecanismos capitalistas de atuação econômica ganharam enorme força nos últimos 20 anos, período que coincidiu com a ultrapassagem da Alemanha e a transformação da China na terceira maior economia do mundo.

Uma ambiguidade que é assim resumida por Edmilson Costa, professor de economia de universidades privadas de São Paulo e dirigente do PCB (Partido Comunista Brasileiro): "O que acontece lá (na China) é uma estrutura que mistura capitalismo com socialismo e que você não sabe aonde vai dar. Pode ser que não dê certo, mas o destino não está dado. O PC chinês ainda dirige o processo", afirma.

"Torço para que dê socialismo. A China desorienta todas as teorias. Com a crise, reorientaram a economia para o mercado interno, manejando com competência", completa Costa.

Mas como os comunistas brasileiros explicam a permanência da China sob o comando de um partido comunista, após o fim do sistema soviético, contra uma série de previsões feita "no calor da hora", nos anos 1990?

O jornalista Bernado Joffilly, que dirige o portal de informações Vermelho, do PC do B , assim explica o sucesso do PC chinês em permanecer no poder: "Depois da queda do Muro de Berlim, a China adotou um 'baixo perfil' internacional e ideológico. Provavelmente com razão. No pós-muro, um país socialista que quisesse continuar socialista tinha de ser 'low profile'".

Um dos problemas que o país enfrenta, agora, com o sucesso econômico, é justamente esse: "Agora não dá mais para ser de baixo perfil."

Há uma alta dose de pragmatismo na análise de Joffilly - que, durante a entrevista, fez questão de dizer mais de uma vez que falava em nome pessoal e não pela direção do PC do B. "A China tem lá o socialismo deles, que coexiste com o capitalismo. Eles estão fazendo uma mescla, que está dando certo", diz, para emendar: "Os povos fazem as revoluções para viverem melhor. Desse ponto de vista, 500 milhões de pessoas saíram a pobreza na China."

Antiga Alemanha Oriental sofre declínio após queda do Muro

Novos caminhos
PC do B e PCB ilustram, cada um a sua maneira, os novos caminhos que os comunistas tiveram de buscar após a queda do muro. Os dois partidos, que se reivindicam herdeiros do Partido Comunista do Brasil fundado em 1922, viveram, do fim da ditadura em 1985 até hoje, o maior período de legalidade no país.

Em 1991, o PC do B não era próximo de nenhum dos dois grandes blocos comunistas - não defendia nem o modelo soviético nem o chinês, mas o da Albânia, um pequeno e empobrecido país europeu que se tornou um bastião da ortodoxia comunista. Nascido de uma ruptura pró-chinesa do PCB na década de 1960, o partido, portanto, não era exatamente um defensor do socialismo soviético.

Ainda assim, teve de responder pela crise que o sistema enfrentou. "Talvez tenhamos sido mais críticos do que devíamos", avalia Joffilly. "Porque o mundo dividido em duas superpotências era melhor do que o mundo com uma só potência."

Retrospectivamente, ele avalia que a União Soviética sofria com algumas questões centrais: "Havia um déficit democrático e um déficit teórico evidentes."

Em 1989, depois de ter vivido alguns anos na Albânia (onde aprendeu a língua, da qual traduz os romances do escritor Ismail Kadaré, hoje um crítico do comunismo). Joffilly fazia campanha para Lula, arrecadando dinheiro entre os metalúrgicos de São Bernardo. "Naquele momento, aqui no Brasil, foi a 'avant première' do que ocorreria na América Latina dez anos adiante, do México à Patagônia. A América Latina lia a questão do muro de outra maneira", diz.

Para ele, Lula no Brasil, Hugo Chávez na Venezuela, Tabaré Vazquez no Uruguai, e experiências em toda a região ("pula a Colômbia") "fazem parte deste movimento antineoliberal, progressista, de esquerda, centro-esquerda, plural, desigual, de inclinação socialista - no caso de Venezuela, Bolívia, Equador - que cresceu na região nos últimos 20 anos.

Pessoas que viveram na Berlim dividida contam suas histórias

O PCB, por sua vez, era o partido associado ao modelo soviético. Só nos anos 1980 o partido ficaria mais próximo dos partidos comunistas da Europa Ocidental, que passaram a defender com mais vigor a democracia ocidental. Assim, o governo do secretário-geral Mikhail Gorbatchev significava uma possibilidade de reforma dentro do socialismo.

"O fim da União Soviética foi como se eu tivesse perdido o pai, a mãe e a família inteira num desastre. Nós tínhamos uma ligação história com o PC da União Soviética, pagamos um preço muito alto", diz Edmilson Costa. "Para nos, glasnost e perestroika significavam mais democracia e mais socialismo", mas "o muro caiu com o apoio do Gorbatchev".

Para ele, "o cansaço da população, a estrutura do regime, a falta de liberdade para ir e vir" explicam a ruína do sistema. Além, claro, do poder sedutor do capitalismo: "É uma vitrine sedutora, mas que não é para todos, é só para alguns."

O PCB, que em 1989 apresentou-se nas eleições presidenciais com a candidatura de Roberto Freire, iniciou a década de 1990 na sua mais profunda crise. Seguindo tendência de outros partidos ocidentais, a direção sob o comando de Freire abandonou o marxismo como linha política e tirou o nome comunista, passando a se chamar PPS (Partido Popular Socialista).

O grupo que não aceitou a mudança buscou, então, refundar o partido e manter o nome PCB. "Caído o Muro, sem a União Soviética, partimos para refazer as filiações."

Edmilson pegou as férias a que tinha direito e partiu para o interior do Mato Grosso do Sul. Pelas regras da Justiça eleitoral, era mais fácil conseguir as assinaturas necessárias em pequenas cidades do que nos grandes centros.

"Uma advogada do partido foi a uma cidade e parou num local. Reparou que havia muitas mulheres. Pediu um refrigerante. Falou com a dona, uma argentina. Que disse que também era comunista. E daquela casa de 'rendez-vous' saiu o presidente do partido no Mato Grosso do Sul, filho da argentina", conta ele.

Aos poucos, os dois partidos refizeram suas imagens. O PC do B reforçou a aliança com o PT iniciada no final dos anos 1980 e o PCB redefiniu muitas de suas posições e faz oposição a Lula hoje unido a partidos com fortes tendências trotskistas (PSTU e PSOL), antigos inimigos dentro da esquerda.

Também mudou uma de suas mais importantes posições históricas. O PCB não acredita mais que deve se aliar a setores da burguesia, como no passado. "O Brasil é hoje sociedade tipicamente burguesa, então a revolução é socialista. Antes, achávamos que ela podia ser nacional-democrata. Mas a burguesia brasileira não quer mais cumprir uma tarefa nacional, quer participar do jogo internacional do capital, se contradição, luta cotidiana."

E o futuro?
Tanto Costa quanto Joffilly fazem discursos agregadores.

Costa avalia que o PC do B não é comunista, mas afirma que o PCB está "procurando juntar pequenas organizações comunistas", que atuam de forma independente pelo país. "São ações comuns, unidade na ação, para futura unificação de todas as forças comunistas. Porque tem mais comunistas fora do que dentro do partido, e as fraturas só cicatrizam quando há unidade política e de ação."


"Fora do PC do B, existem comunistas. Acho ótimo que exista um partido relativamente grande, candidato a nuclear os outros. Espero que todo mundo que é comunista entre no PC do B. Gostaria que os companheiros do PCB estivessem com o PC do B", afirma, por sua vez, Joffilly. "PSTU e PCB fazem oposição a Lula. Eu não faço veto. Tem democracia interna, eles podem disputar as posições. Nós criticamos, por exemplo, a política do Henrique Meirelles, para nós ela tinha de cair", completa.

Joffilly vê na crise do sistema soviético um momento histórico. "De 1815 a 1848, a burguesia pastou uma derrota na França. Assim como em 1815 teve a restauração monárquica, em 1989 houve a restauração capitalista."

Vinte anos depois, os dois PCs brasileiros avaliam que as perspectivas são boas: "Acho que a crise vai se agravar. Podemos ter uma outra conjuntura internacional. E as crises são parteiras da história", diz Costa.

"Felizmente, benza-deus, parece que pensamento único, fim da história e consenso de Washington acabaram. A crise do capitalismo abre a possibilidade de retomada das ideias socialistas como alternativa ao capitalismo", emenda Joffilly, que completa: "O pior já passou. Está baixando a poeira do muro."

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Conheça a obra de Karl Marx e sua influência no mundo moderno - PUBLIFOLHA



Reprodução
Livro explica a obra de Marx, seus principais conceitos e suas "profecias"


da Folha Online

Além da barba longa e grisalha, é incomum imaginar que o pensador alemão Karl Marx (1818-1883) guarde qualquer outra semelhança com o alquimista francês Nostradamus (1503-1566), conhecido por sua suposta capacidade de vidência. Mas, se o francês entrou para a história como um adivinho místico, o verdadeiro "profeta barbado" para "assuntos terrenos" parece mesmo ser o ateu convicto Karl Marx.


"O poder de previsão de Marx foi tão grande que o mundo em que vivemos acabou se tornando demasiado semelhante ao das tendências descritas por sua obra", afirma o professor de Teoria da História da USP Jorge Grespan. Ele é autor de "Karl Marx", novo volume da série Folha Explica, no qual apresenta e analisa de forma sintética as principais idéias da obra do autor --incluindo, claro, suas "profecias".

* Entenda a crise econômica pela ótica de Karl Marx

"O surgimento dos conglomerados financeiros e industriais; a irradiação da forma de mercadoria a quase todos os produtos e relações sociais; o predomínio crescente da especulação financeira sobre a criação de valores efetivos --tudo isso está em "O Capital", diz Grespan na introdução do livro, que pode ser lida abaixo.

Para o autor, uma das mais importantes colaborações da obra de Marx é "desmascarar" a noção de que o capitalismo e sua dinâmica social, de simultâneo progresso e destruição, sejam "naturais". "Marx não nega os fenômenos do mercado, das decisões individuais, da liberdade de movimento dos agentes econômicos; mas também não aceita que tais fenômenos sejam simplesmente dados naturais".

Ao explicar Marx e seus conceitos --de alienação, mercadoria, capital, a perspectiva dialética do capitalismo, o fetichismo, a ideologia, a crise e a revolução-- Grespan faz entender o dinheiro, o capitalismo e as relações sociais. O livro traz ainda uma cronologia sintética dos principais eventos da vida de Karl Marx e bibliografia das principais obras de Marx e sobre Marx publicadas em português.

Leia abaixo a introdução de "Karl Marx".

*

INTRODUÇÃO: UMA TEORIA CRÍTICA DA SOCIEDADE

Explicar o pensamento de Karl Marx (1818-83) não parece ser, à primeira vista, algo muito difícil. Afinal, ele queria ser entendido. Fazia parte de sua teoria que ela pudesse cooperar na transformação das condições da sociedade capitalista, sendo assimilada, discutida e posta em prática já pelos operários do seu tempo.

Por outro lado, seu poder de previsão demonstrou ser tão grande que o mundo em que hoje vivemos acabou se tornando demasiado semelhante ao das tendências descritas por Marx. O surgimento dos enormes conglomerados financeiros e industriais, invertendo a lógica da concorrência do século 19; o processo gradativo de substituição de mão-de-obra por máquinas cada vez mais sofisticadas; a irradiação da forma de mercadoria a quase todos os produtos e relações sociais; as crises econômicas; a política como manifestação de conflitos sociais distributivos; o predomínio crescente da especulação financeira sobre a criação de valores efetivos, com a conseqüente projeção para um futuro incerto de todos os preços e expectativas - tudo isso está em O Capital como tendência resultante dos processos então observados.

Explicar a obra de Marx, portanto, é tarefa que parece esbarrar no lugar-comum de situações consideradas hoje normais, a tal ponto que dispensam explicações.

Mas desmascarar esta normalidade, isto é, o modo com que condições sociais historicamente específicas se apresentam como eternas e naturais, é justamente um dos objetivos centrais de tal obra. Mais do que descritiva e explicativa, ela é uma teoria crítica da sociedade atual, descobrindo a correlação profunda entre as dimensões positiva e negativa de sua realidade. Inspira-se para tanto na dialética de Georg Hegel (1770-1831), cujo caráter idealista condena, conservando o que chamará de "núcleo racional".

Em poucas palavras: a dialética reproduz o movimento contraditório pelo qual algo se apresenta como o inverso do que é. Em sua versão hegeliana, de acordo com Marx, a dialética revelaria que, por trás da aparente diversidade das coisas, se oculta o oposto, a unidade essencial do mundo - descoberta de enorme poder consolador.

Na versão materialista de Marx, porém, a dialética mesma é invertida, e tem a função crítica de revelar a desigualdade social na base da igualdade de todos perante a lei, característica da sociedade civil moderna. A partir daí, é possível entender as decorrentes estratégias de inversão e de encobrimento pelas quais as relações sociais decisivas criam toda uma outra camada de realidade, com relações sociais opostas às da camada primeira. Assim, o implacável vínculo existente entre os indivíduos é de tal ordem que se manifesta como independência mútua desses indivíduos, como se entre eles o vínculo fosse tênue. Donde decorrem a sensação de liberdade e o individualismo exacerbado.

A igualdade, portanto, é determinada pela desigualdade; a liberdade individual, pelo nexo inexorável de relações de mercado. E tudo isso aparece como algo natural, que sempre foi e será como agora, para o que não há alternativa.

Mas esta normalização de condições muito específicas, esta naturalização de situações históricas, diz Marx, não é uma mera ilusão de ótica, e sim também resultado da maneira com que a sociedade capitalista se estrutura.

Com o conceito de "fetichismo", ele fornece uma explicação extremamente rica e fértil para tais processos, seguida e desenvolvida por importantes vertentes filosóficas e sociológicas do século 20.

A crítica social, por outro lado, tem como contrapartida a da sua teorização pelos economistas. Dedicado desde a juventude ao estudo da Economia Política, disciplina fundada no século 17, na Inglaterra das revoluções burguesas, Marx aqui contou com o estímulo e a colaboração de seu grande amigo Friedrich Engels (1820-95). Juntos escreveram vários textos; e na maturidade Engels continuou ajudando Marx em alguns pontos da grande obra sobre a economia moderna que este preparou durante longos anos. Tratava-se de apontar, nas lacunas teóricas das obras dos economistas, a atuação da realidade social mesma que eles explicavam sempre só parcialmente.

É que os processos mencionados acima produziam até no plano do pensamento uma visão individualista e naturalizada da economia dita de mercado.

A constatação de que esta visão não se enfraqueceu hoje em dia - ao contrário, tornou-se quase hegemônica - permite avaliar o quanto a crítica de Marx ganhou atualidade. Ela não nega os fenômenos do mercado, das decisões individuais, da liberdade de movimento dos agentes econômicos; mas também não aceita que tais fenômenos sejam simplesmente dados naturais, e procura revelar sua origem em uma camada da sociabilidade que se oculta neles como seu avesso.

Com isso, Marx obtém uma perspectiva muito mais abrangente e adequada da dinâmica social capitalista, de simultâneo progresso e destruição. De fato, já o Manifesto Comunista (de 1848) faz o diagnóstico eloqüente do tempo instituído pelo capital: "Essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com seu cortejo de concepções e de idéias secularmente veneradas; as relações que as substituem tornam-se antiquadas antes de se consolidarem. Tudo o que era sólido e estável se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado".

Os capítulos a seguir procurarão desenvolver essas questões, apresentando a crítica de Marx desde o conceito de "alienação", elaborado ainda em sua juventude. Apesar do quase inevitável começo pelo começo, a abordagem não se conduzirá pelo fio condutor da biografia intelectual do autor, mas por um ordenamento de idéias, mais significativo para a compreensão do que interessa. A perspectiva dialética do capitalismo aí aparecerá pelos conceitos de fetichismo, ideologia, crise e revolução.

"Folha Explica - Karl Marx"
Autor: Jorge Grespan
Editora: Publifolha
Páginas: 96

quinta-feira, 18 de junho de 2009

EUA IMPÔE "FREIO E RÉDEAS CURTAS" AO MERCADO FINANCEIRO NORTE-AMERICANO

OBAMA IMPÔE "MECANISMOS DE CONTROLE" AO CAPITALISMO AMERICANO

A MÃO ''VISIVEL" (ESQUERDA) DE OBAMA x "MÃO INVISÍVEL" (DIREITA) DO LIBERALISMO ECONÔMICO

OBAMA ADOTA A METODOLOGIA SISTÊMICA AO COLOCAR SOB A SUPERVISÃO DE UM ÚNICO ÓRGÃO REGULADOR - O FED - AS MAIORES INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA


Obama apresenta a maior reforma financeira desde os anos 30

WASHINGTON, EUA, 17 Jun 2009 (AFP) - O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, especificou nesta quarta-feira seu projeto para reforçar o controle das autoridades sobre o setor financeiro, destacando que se trata da reforma mais ampla desde os anos 30.

"Não fomos nós quem escolhemos a forma como surgiu esta crise, mas podemos escolher os meios para lidar com ela", declarou Obama ao apresentar uma reforma anunciada como uma das prioridades de seu governo.

"Minha administração propõe hoje uma ampla reforma do sistema de regulação financeira, uma transformação inédita desde as reformas que seguiram a Grande Depressão", acrescentou.

As propostas, que ainda terão de ser aprovadas pelo Congresso, têm como objetivo dar ao Banco Central americano (Federal Reserve, Fed) novos poderes de regulação sobre as maiores instituições financeiras do país.

A Casa Branca destacou que a reforma permitirá introduzir mais disciplina e transparência nos mercados financeiros.

Como havia sido anunciado anteriormente, o projeto também incluirá a criação de uma nova agência de proteção dos consumidores encarregada de supervisionar especificamente os créditos imobiliários e os créditos ao consumo.

A reforma também prevê colocar sob a supervisão de um único órgão regulador - o Fed - as maiores instituições financeiras do país, cuja falência afetaria todo o sistema econômico

O objetivo desta reforma é reforçar o sistema financeiro dos Estados Unidos, cuja vulnerabilidade ficou demonstrada pela crise.

Ela deverá incluir a criação de um conselho de vigilância dos serviços financeiros. Este órgão, que será presidido pelo Departamento do Tesouro, será encarregado de avaliar os riscos que ameaçam o conjunto do sistema financeiro e de coordenar as ações empreendidas pelos diferentes organismos de regulação para enfrentar estes riscos.

A reforma também prevê colocar sob a supervisão de um único órgão regulador - o Fed - as maiores instituições financeiras do país, cuja falência afetaria todo o sistema econômico.

Para garantir a estabilidade do sistema, o governo vai, também, elevar o capital em posse de "todas as instituições" financeiras, com obrigações mais rígidas para as mais importantes delas.

Os fundos especulativos, que fogem ao controle das autoridades, terão que se registrar em um órgão regulador. Esta obrigação, porém, poderia começar a valer somente a partir de uma certa quantia de ativos administrados.

A reforma também deverá impor aos produtos derivados as trocas através de estruturas de compensação centralizadas.

O governo também vai editar normas para a operação que consiste em transformar ativos financeiros em títulos.

Esta operação foi parcialmente responsabilizada pela disparada dos créditos imobiliários de risco que provocaram a crise atual.

As agências de classificação, acusadas de má avaliação dos riscos inerentes a estas operações, também deverão ser supervisionadas.

A reforma também deverá dar ao governo meios de permitir um desmantelamento suave das grandes instituições financeiras ameaçadas de bancarrota.

UOL Celular

terça-feira, 9 de junho de 2009

O PSOL e o balanço das eleições municipais - Escrito por APS

Qui, 06 de Novembro de 2008 12:12

O PSOL diante da polarização conservadora

1. Qualquer balanço eleitoral deve partir da análise de três fatores: o cenário da disputa e as demais forças que disputaram as eleições, as metas traçadas pelo partido e o quanto o desempenho eleitoral fortaleceu a construção partidária. É da resposta à combinação desses três fatores que se pode avaliar o desempenho do partido na disputa eleitoral.

2. O PSOL é um partido novo construído a partir do esforço da esquerda socialista brasileira em construir um novo instrumento partidário diante da adesão estratégica de Lula e do PT ao continuísmo neoliberal. Nesses três anos o PSOL conquistou respeitabilidade e atraiu setores sociais descontentes com os rumos do governo Lula e que almejam a construção de uma alternativa de esquerda e Socialista no Brasil.

3. Mas é fato que esse processo do qual o PSOL é uma das principais vertentes está longe de se encerrar. Assim, o PSOL é um partido em construção. Construção não linear e que dependerá não apenas de vontade, mas dos ritmos da conjuntura e da percepção do povo da letalidade do projeto neoliberal sob hegemonia do capital financeiro, agora assumido por aqueles que antes estavam no campo antineoliberal. Projeto este que também dependerá da capacidade do PSOL em responder ativamente aos fatos da conjuntura e avançar na formulação das bases estratégicas de uma nova alternativa de esquerda para o Brasil.

4. Assim, o cenário da disputa deve ser compreendido numa conjuntura mais longa de reorganização da esquerda brasileira. Pode ser entendido também como parte do esforço em sedimentar um pólo de esquerda partidário na sociedade brasileira. O processo eleitoral está inserido nessa construção mais ampla e os resultados devem ser analisados a partir dessa perspectiva.

5. No geral as eleições mostram o fortalecimento de um espectro conservador na política brasileira. A base aliada de Lula composta por 16 partidos governará 72% do eleitorado e 20 das 26 capitais. O PMDB foi o partido mais vitorioso e o PT conseguiu eleger a maioria dos prefeitos nas cidades com mais de 200 mil habitantes.

6. Contudo, o peso do PMDB se ampliou com vitórias onde este partido enfrentou o próprio PT (Salvador, Porto Alegre e mesmo em São Paulo coligado ao DEM), o que ampliará o custo da aliança e poderá causar maior instabilidade para a governabilidade conservadora de Lula. Em São Paulo, a derrota de Marta Suplicy para Gilberto Kassab foi uma vitória de José Serra, hoje principal candidato a presidente da oposição de direita. Em Porto Alegre, a reeleição de José Fogaça (PMDB) mostrou o quanto o PT está desgastado numa cidade que historicamente foi governada por este partido. Em Belo Horizonte, o PT fez dobradinha com o PSDB de Aécio Neves no apoio a Márcio Lacerda (PSB). No Rio de Janeiro venceu o candidato do governador Sérgio Cabral, apoiado no 2.º turno pelo PT contra Gabeira, que foi apoiado por uma coalizão que juntou partidos da oposição de direita, como o PSDB e DEM.

7. Desse ponto de vista, apesar da popularidade de Lula, os resultados finais do 2.º turno apontaram que o Lulismo não transfere automaticamente sua avaliação para o PT. Dentro do governismo o maior vitorioso é o PMDB, que tem projeto autônomo, podendo até mesmo lançar candidatura própria ou apoiar um nome do PSDB e DEM. A oposição de direita com a vitória em São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba manteve firme suas bases para projetar a candidatura a presidente de José Serra. Ainda haverá disputa com a alternativa Aécio Neves, mas José Serra avançou mais posições nesta luta no interior do bloco dominante.

8. O que se enfraqueceu foi a possibilidade de um terceiro bloco capitaneado pelo chamado bloquinho (PDT, PCdoB, PSB) que saiu dividido na maioria das cidades e não conseguiu mostrar uma feição própria nas eleições. Ainda assim, em algumas cidades como Porto Alegre, Florianópolis, Rio de Janeiro, as candidaturas do PCdoB procuraram ocupar um lugar consentido e alternativo ao PT, o que muitas vezes cumpriu a função de evitar a ocupação de um espaço à esquerda capitaneado pelo PSOL.

9. Na essência as eleições municipais de 2008 foram marcadas pela conservação, pelo discurso do continuísmo e pelo fortalecimento das candidaturas da ordem com um alto índice de reeleição dos atuais prefeitos. Estas foram eleições da conservação e não da mudança.

10. Na ausência de uma real polarização imperou o discurso administrativista na versão da oposição de direita ou o discurso melhorista do petismo e aliados. O impacto de programas governamentais que deixaram de ter o horizonte da universalização de direitos na saúde, na educação, no transporte, dentre outros, combinado com um “rebaixamento de expectativas” dos trabalhadores e dos setores mais pobres fez com que o cenário para as candidaturas da ordem fosse mais favorável. É preciso compreender este cenário que impacta a percepção de amplos setores sociais para delinear as condições subjetivas da luta social. Mas, é também preciso compreender que essa aparente estabilidade é profundamente instável, tanto pela incapacidade deste modelo em distribuir renda e riqueza, quanto pelos sinais do esgotamento de um ciclo econômico do capitalismo internacional, cujas notícias dão sinais de uma profunda crise.

11. A atual crise financeira internacional, a maior desde a quebra das bolsas em 1929, não se fez sentir no processo eleitoral. Certamente, haverá impacto político no país dado que Lula optou por manter intocado e mesmo ampliar as bases do modelo econômico neoliberal que transformaram o país em plataforma de valorização financeira do capital e exportador de bens primários. Isso só reforçou a vulnerabilidade externa. Mas, do ponto de vista político não assumiu dimensões que impactassem a disputa.

12. A própria mídia conservadora procurou criar um formato que restringiu o debate político, enquadrando os candidatos no roteiro do melhorismo com punição para aqueles que ousassem questionar esses padrões de cobertura. Na última semana a Rede Globo suspendeu a seu bel-prazer debates no Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza, Curitiba e São Luís questionando a legislação eleitoral por razões mercadológicas e impedindo a população dessas cidades de conhecer os candidatos por fora da marquetagem eleitoral. Esse movimento da Rede Globo acabou restringindo a exposição de nossas candidaturas e teve impacto nos resultados do partido em algumas dessas cidades.

13. A falta de nitidez política e programática também marcou as eleições e teve impacto em alianças sem princípios ou qualquer correlação programática. Assim, apesar da aparente disputa encarniçada entre setores da base governista e da oposição de direita, um dado é revelador da ausência de diferenças substantivas de projeto entre os dois blocos: o PT estava aliado ao PSDB, DEM e PPS em 41% dos municípios. Esse dado expressivo mostra o quanto o pragmatismo e a disputa de poder foram os determinantes para a composição das alianças na maioria das cidades brasileiras.


Os resultados eleitorais do PSOL

14. Na Conferência Eleitoral do PSOL em Brasília aprovamos as diretrizes programáticas que lançaram as bases para a disputa municipal, a carta compromisso dos candidatos e a política de alianças. No último Diretório Nacional o partido referendou e regulamentou a política de alianças em alguns municípios, com destaque para o PV de Porto Alegre e candidatura a vice do PSOL na chapa encabeçada pelo PSB de Capiberibe em Macapá. O desempenho tanto numa cidade quanto na outra e o tipo de campanha demonstram o acerto da política de alianças do PSOL que procurou combinar nitidez política e programática e alianças criteriosas para procurar “deslocar setores em contradição com o governismo e a velha direita”.

15. O PSOL se propôs algumas importantes tarefas nestas eleições municipais. Dentre as mais importantes se apresentar como pólo alternativo de esquerda aos olhos do eleitorado e eleger uma forte bancada de vereadores.

16. O PSOL lançou candidatos em mais de 400 municípios, com graus de enraizamento diferenciados. Das 26 capitais, apresentamos candidatos em 22, apoiamos duas candidaturas do PSTU (Aracaju e Belo Horizonte), apoiamos o PSB em Macapá e não conseguimos lançar candidato em Palmas.

17. A nossa bancada atual de vereadores é oriunda do racha com o PT. Chegamos ao processo eleitoral com 20 vereadores, sendo 4 em capitais (Macapá, Belém, Goiânia e Rio de Janeiro). Muitos dos nossos vereadores foram lançados para o cargo executivo a serviço da construção do PSOL. Foi assim em Campinas, Guarulhos, Mogi das Cruzes e São Caetano do Sul.

18. Nosso resultado foi aquém do necessário, mas dentro do possível. O partido recebeu 779.198 votos para prefeito e 628.114 votos para vereadores. Alcançamos em média 2% dos votos nas capitais que disputamos. Nossos melhores desempenhos nas capitais foram: Luciana Genro (9,22%), Renato Roseno (5,67%), Martiniano Cavalcante (4,88%) e Hilton Coelho (3.94%).

19. Merece destaque a quase vitória da nossa coligação PSB/PSOL em Macapá. Foi uma campanha de esquerda, massiva, empolgante, que dividiu a cidade e unificou toda a direita contra a chapa da mudança. No segundo turno alcançamos 48% dos votos. Foi justamente a combinação de base social mais ampla e sentimento de mudança que fez com que a chapa Camilo e Randolfe fosse para o segundo turno em Macapá. Naquela cidade nossa chapa encarnou a mudança e o PT foi apoiar a candidatura conservadora, na companhia de Sarney.

20. Em São Paulo travamos o combate com os dois blocos de poder que tornaram as eleições nesta cidade uma prévia de 2010. Fizemos uma campanha que foi a única que pautou o tema do financiamento público exclusivo, enfrentou interesses das grandes corporações que privatizam a cidade e seus serviços, tocou na questão da dívida pública e inversão de prioridades para a periferia pobre. Politicamente a campanha deslocou setores sociais, como a intelectualidade progressista, setores médios críticos e parcelas da Igreja progressista. Na reta final enfrentamos o monopólio dos grandes meios de comunicação, a partir do cancelamento do debate pela Rede Globo.

21. Apesar disso nosso resultado mostrou que o eleitorado ainda enxerga no PT e seus aliados mais à esquerda como candidaturas de esquerda suficientemente aceitáveis para receberem uma carga de votos úteis na reta final das campanhas eleitorais. A migração de votos de nossas candidaturas para esses setores ficou clara no Rio de Janeiro, Belém, São Paulo, dentre outras.

22. Nossos candidatos apresentaram programas de esquerda e travaram o bom combate com as elites e buscaram se diferenciar da nova direita petista. Acumulamos em representatividade social, mas a inserção do partido no movimento social, condição essencial para contrabalançar o esmagamento de tempo na TV, visual nas cidades e presença de cabos eleitorais nas ruas prejudicou nossas candidaturas. Sem essa porosidade social, resultado ainda da construção recente do PSOL, dificulta uma candidatura de esquerda.

23. Elegemos 25 vereadores, distribuídos por 13 estados diferentes. Destes, oito são vereadores de capitais e mais 4 são de cidades médias. Elegemos duas figuras com nomes projetados (Heloisa Helena e João Alfredo), reelegemos vereadores nas capitais (Macapá, Rio e Goiânia) e conseguimos eleger dois vereadores em Porto Alegre. Em Maceió nossa companheira Heloísa Helena conseguiu obter uma expressiva votação, mesmo enfrentando uma campanha sórdida da direita local, que estava antenada com a disputa nacional para presidência em 2010. O PSOL passou de 20 para 25 vereadores no país.

24. Considerando o cenário, o atual estágio de construção partidária o desempenho do partido deve ser destacado como um esforço numa conjuntura mais adversa. Mas, sem sombra de dúvidas, estas eleições devem conter um aprendizado político para os próximos embates que o partido irá enfrentar.


As lições para o PSOL destas eleições

25. O desempenho do PSOL foi dentro do possível, mas aquém do necessário e é o retrato das possibilidades e das dificuldades para a reconstrução do ideário de esquerda depois da falência do PT como projeto de transformação social. Mostram que o PSOL é uma força com potencial político para ser um pólo de esquerda e socialista no país. Mas, também demonstra que será preciso fortalecer o partido, atrair setores sociais em contradição tanto com o governismo quanto com a oposição de direita, ampliar a presença do partido nos movimentos sociais e se preparar para saber enfrentar tanto as conjunturas favoráveis quanto as adversas. Não haverá uma linha evolutiva na construção do PSOL que, de resto, só pode estar presente em visões triunfalistas de fôlego curto e incapazes de orientar o partido para conjunturas de maior alcance.

26. Uma primeira lição a aprender é que qualquer vitória eleitoral deve estar associada à construção partidária. É isso que fortalece o resultado eleitoral, lhe dá maior fôlego e agrega setores sociais para o período seguinte. Os resultados eleitorais são importantes e devem ser um elemento decisivo para o balanço. Mas, importantes também são como o partido sai das eleições, o discurso que conseguiu afirmar na sociedade e os setores sociais atraídos durante a campanha. Isso é o saldo político que muitas vezes não pode ser mensurável numa eleição fria e despolitizada. Pouco adianta um bom desempenho eleitoral se no médio prazo isso não tiver impacto na atração de setores sociais e novos lutadores para a construção do PSOL.

27. É sempre necessário combinar dois esforços: o primeiro de construção de um partido socialista, democrático e de massas, superando o vanguardismo, o espírito de círculo e o sectarismo. Mas, também é preciso combinar a busca da influência de massas com a construção partidária.

28. Uma segunda lição a aprender é que o atual estágio de construção partidária deve avançar. Assim, a aceitação da doação de 100 mil reais da Gerdau em Porto Alegre teve incidência no discurso partidário e impactou nossa militância, sobretudo no financiamento de campanha, uma das principais matrizes da corrupção no sistema eleitoral brasileiro. E, paradoxalmente, pode ser analisada como a prevalência do espírito de círculo sobre o interesse partidário.

29. Aqui se trata em fazer um debate político sobre o tema. A decisão unilateral do partido em Porto Alegre precisou ser respondida e essa cobrança não foi feita apenas nos setores da vanguarda. A decisão política foi cobrada dos candidatos do PSOL publicamente e retirou a ofensividade de nosso discurso sobre a questão do financiamento de campanha. Na medida em que foi uma decisão unilateral, sem consulta prévia ao conjunto dos setores partidários que disputavam as eleições em outras importantes cidades fragilizou o discurso partidário e só não teve maior impacto pela responsabilidade política das principais forças partidárias que optaram por não travar a luta interna e prejudicar a campanha em Porto Alegre, ainda que esta não fosse a preocupação principal dos companheiros ao tomarem a decisão. A decisão de Porto Alegre foi um erro político e dá mal exemplo de construção partidária.

30. A terceira lição a aprender é que a ausência de um pólo nacional na medida em que todas as lideranças do Partido disputavam as eleições enfraqueceu a presença de conjunto do PSOL e sua face nacional. É verdade que foram eleições municipais e a força da disputa local foi determinante. É pouco claro se isso mudaria o desempenho das principais candidaturas. Mas, certamente reforçaria mais o partido para o embate nacional no próximo período, com destaque para a possível reorganização que possa ocorrer diante das primeiras eleições pós-Lula que devem ocorrer no país.

31. Outros setores avaliam que o desempenho do partido é somente negativo e isto se deveu ao fato de não converter a campanha do PSOL no objetivo principal de fazer propaganda do Socialismo, o que assumidamente também não resultaria num desempenho mais elevado. Esta não é nossa posição.

32. É óbvio que o princípio da campanha de um partido socialista é cumprir sua estratégia socialista. E no caso do PSOL uma estratégia revolucionária de luta pelo socialismo. Porém, a visão estratégica do PSOL não é doutrinária. O doutrinarismo é uma forma infantil do discurso socialista. Este, por exemplo, é um erro do PSTU. Confundir a estratégia com a tática nunca levou um partido socialista a avançar. O bom e velho Lênin já dizia que a um socialista "não basta dizer que a vida é dura e incitar a revolta; isto qualquer vociferador pode fazer, mas não serve para grande coisa. É preciso que o povo trabalhador compreenda claramente porque está na miséria e com quem se unir para se libertar desta miséria."

33. Passada as eleições é preciso tirar conseqüências políticas e organizativas para o PSOL enfrentar o próximo período. E este não será qualquer período. Do ponto de vista das forças da ordem do lulo-petismo e da oposição de direita é a ante-sala da primeira disputa eleitoral em que Lula não será candidato. Do ponto de vista dos trabalhadores e das forças populares a questão principal a saber não é a movimentação na esfera da política. A grande incógnita é saber qual será o impacto da crise financeira internacional na sua vida e no seu bolso.

34. A história sempre é a mesma. Em ciclos em que o capitalismo submerge em situações de crise o impacto imediato é sobre os trabalhadores e o povo mais pobre. E a crise demonstra claramente que a aliança entre poder político e dinheiro é uma das características do capitalismo em seu atual estágio.

35. Ao PSOL cabe se preparar politicamente, programaticamente e do ponto de vista da ação partidária para travar o embate político nesses próximos dois anos. Assim, é preciso capitalizar o saldo político que obtivemos em algumas cidades, fortalecer o partido, trazer novos militantes e lutadores sociais e formar politicamente os novos que advêm às nossas fileiras. O Partido precisa se preparar para crescer e trazer para as suas fileiras aqueles que mesmo nas circunstâncias mais adversas acreditaram no discurso do PSOL e apoiaram as nossas valorosas candidaturas pelo Brasil afora.

36. E o mais importante de tudo, é necessário que o partido busque unificar sua intervenção no movimento social e planeje seu crescimento no movimento social vivo de nosso país. Isso passa necessariamente por apresentarmos e/ou apoiarmos propostas concretas de ações unificadas contra os efeitos da crise mundial em nosso país.


Ação Popular Socialista - APS

sábado, 25 de abril de 2009

Liberalismo



liberalismo, retrato de John Locke
John Locke: um dos principais ideólogos do liberalismo


Saiba o que é liberalismo, neoliberalismo, origem do pensamento liberal, história, definição, idéias

Definição

Liberalismo pode ser definido como um conjunto de princípios e teorias políticas, que apresenta como ponto principal a defesa da liberdade política e econômica. Neste sentido, os liberais são contrários ao forte controle do Estado na economia e na vida das pessoas.

O pensamento liberal teve sua origem no século XVII, através dos trabalhos sobre política publicados pelo filósofo inglês John Locke.

Já no século XVIII, o liberalismo econômico ganhou força com as idéias defendidas pelo filósofo e economista escocês Adam Smith.

Podemos citar como princípios básicos do liberalismo:

- Defesa da propriedade privada;
- Liberdade econômica (livre mercado);
- Mínima participação do Estado nos assuntos econômicos da nação (governo limitado);
- Igualdade perante a lei (estado de direito);

Na década de 1970 surgiu o neoliberalismo, que é a aplicação dos princípios liberais numa realidade econômica pautada pela globalização e por novos paradigmas do capitalismo.

Links relacionados

NEOLIBERALISMO - características, o que é, globalização, origem
PARTIDOS POLÍTICOS DO BRASIL - Política brasileira, ideais.
IDEOLOGIA - o que é, conceito de ideologia, exemplos, tipos
JOHN LOCKE

quinta-feira, 16 de abril de 2009

John Maynard Keynes e o papel regulatório do Estado na economia

Origem: Wikipédia

Keynes, durante a conferência de Bretton Woods

John Maynard Keynes (pron.ˈkeɪnz), Primeiro Barão de Keynes, CB (Cambridge, 5 de junho de 1883 — Firle, East Sussex, 21 de abril de 1946), foi um economista britânico. Suas idéias inovadoras chocaram-se com as doutrinas econômicas vigentes em sua época, além de ter enorme impacto sobre a teoria política e a política fiscal de muitos governos. Foi um dos mais influentes economistas do século XX.

Keynes defendeu o papel regulatório do Estado na economia, através de medidas de política monetária e fiscal, para mitigar os efeitos adversos dos ciclos econômicos - recessão, depressão e booms econômicos. Keynes é considerado um dos pais da moderna teoria macroeconômica.

* 1 Vida e época (1883-1946)
* 2 Contribuições teóricas
o 2.1 Micro e Macroeconomia
o 2.2 Keynes e política econômica
o 2.3 Investimento e expectativas
* 3 Pensamento e obras
* 4 Bibliografia
o 4.1 Online
o 4.2 Publicações
* 5 Ligações externas

Vida e época (1883-1946)

O impacto da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda nos meios acadêmicos e na formulação de políticas públicas excedeu o que normalmente seria esperado, até mesmo de pensadores tão destacados como John Maynard Keynes. A razão para seu extraordinário sucesso, frente a defesa de longo tempo da "doutrina herdada" e à recepção geralmente negativa nos círculos não-acadêmicos na época de sua publicação, em 1936, é que a obra tinha alguma coisa para todos.

Ter-se-ia que volver ao tempo de Adam Smith para encontrar um grau comparável de persuasão com respeito a política pública; ter-se-ia que volver a David Ricardo para a espécie de análise rigorosa que inspira o pensador dedutivo; e a Karl Marx para alguém que atraísse seguidores capazes e suficientemente zelosos a fim de levar sua mensagem ao mundo. Parece que a hereditariedade havia destinado a Keynes a fazer uma valiosa contribuição para o mundo.

Seu pai foi John Neville Keynes, secretário da Universidade de Cambridge, cuja obra Escopo e Método de Economia Política (1891) é não apenas clássica em seu campo, mas continua sendo um tratado eminentemente útil sobre o assunto de metodologia até nossos dias. Sua mãe serviu como prefeita de Cambridge até 1932. Ambos educaram o filho em Eton e no King’s college, onde se distinguiu em Matemática, além de estudar os clássicos, Filosofia e Economia, sendo esta última disciplina ministrada sob as luzes de lideres como Henry Sidwick e Alfred Marshall.

Em 1906, tendo passado no exame para o serviço civil, seguiu para a Índia Office, tendo aí permanecido durante dois anos antes de voltar para o King’s College, onde se especializou no ensino dos Princípios Econômicos de Marshall. A vida acadêmica, ampliada para incluir tanto os interesses culturais como pecuniários que proporcionavam uma bela renda adicional, era-lhe bastante adequada.

Mas ele sempre esteve envolvido em assuntos públicos numa posição ou outra, particularmente em questões de comércio e finanças. Este aspecto de sua carreira está em perfeita consonância com sua abordagem predominantemente pragmática; a economia como ciência pura era-lhe muito menos interessante do que a economia a serviços de políticas.

Com efeito, a contribuição de Keynes à teoria e pratica de economia política tem de ser vista em perspectiva, tendo como fundo os anos de guerra e entre-guerras, a fim de ser plenamente compreendida e apreciada. Estes anos foram marcados pela interrupção das relações de comércio e do padrão-ouro durante a Primeira Guerra Mundial, seguindo-se primeiramente a inflação, a instabilidade da taxa de cambio e os desequilíbrios do balanço de pagamentos, e mais tarde pela deflação e desemprego em massa em escala internacional. O exame teórico desses fenômenos catastróficos e mais importante sob o ponto de vista de Keynes, as soluções praticas para os problemas criados por estes mesmos fenômenos estavam na ordem do dia.

Com a irrupção da Segunda Guerra Mundial, Keynes dedicou-se a questões concernentes às finanças de guerra e ao restabelecimento final do comércio internacional e de moedas estáveis. Suas idéias sobre estes assuntos foram oferecidos em um panfleto Como Pagar a Guerra, publicado em 1940, e no “Plano Keynes” para o estabelecimento de uma autoridade monetária internacional que ele propôs em 1943. Embora seu plano tenha sido rejeitado, a proposta que foi adotada em 1944 na conferência de Bretton Woods, da qual participou como líder na delegação britânica, refletia claramente a influência de seu pensamento.

Na ocasião de seu falecimento, em princípios de 1946, pouco depois de ter preparado o acordo de empréstimo americano, ele era o economista líder não somente da Inglaterra, mas do mundo. Foi um teorista brilhante, mas considerava a teoria principalmente como um guia para diretrizes de política econômica. Assim, talvez mais do que qualquer um outro individuo, Keynes é o responsável pelo retorno ao que afinal se conhecia como “economia política”.

Foi casado com a bailarina russa, Lídia Lopokova.

Contribuições teóricas

Micro e Macroeconomia

Anterior ao pensamento keynesiano, a Microeconomia estuda as relações individuais entre os vários agentes econômicos. Estabelece que as forças de oferta e de procura provocariam processos de ajustes para o equilíbrio em todos os preços e valores, plena utilização dos fatores de produção, e um preço de equilíbrio para o uso de cada um. Os desvios desses níveis eram considerados temporários. De modo geral, a análise anterior do preço e do valor assentava-se em hipóteses baseadas no "laissez-faire" e a aplicação de tal teoria implicava uma política de laissez-faire e a perfeita mobilidade dos fatores no seio de uma economia auto-reguladora. Poder-se-ia exemplificar como casos específicos da Microeconomia a procura pelo trigo ou o nível salarial de uma determinada indústria.

Por outra visão, a Macroeconomia cuida dos totais ou agregados. Trata da renda nacional total, e como a mesma é afetada pelos gastos e poupanças totais. A Microeconomia está incorporada a esta. Observa o comportamento da economia total e reconhece que o dano de uma das partes é prejudicial ao todo. A idéia de fluxo é da mais alta importância pelo fato de que a renda total nacional da sociedade deve ser mantida em certos níveis para garantir os níveis considerados desejados pelos intervencionistas de investimentos, economias e emprego.

É uma espécie de conceito de equilíbrio geral: todo elemento da economia depende de todos os demais elementos. Contrariando a Microeconomia, não aceita o laissez-faire, considerando-o, na verdade, uma filosofia inteiramente indigna de confiança e que pode ser julgada grandemente responsável pelas violentas perturbações no nível das atividades comerciais e pelo desemprego subseqüente. Contudo, a Macroeconomia é anterior a Keynes.

[editar] Keynes e política econômica

J. M. Keynes discordou da lei de Say (que Keynes resumiu como : "a oferta cria sua própria demanda"). Assim como Thomas Malthus, não acreditava que a produção de mercadorias gerariam, sempre e obrigatoriamente, demanda suficiente para outras mercadorias. Poderiam ocorrer crises de super-produção, como ocorreu na década de 1930. Para ele o livre mercado pode, durante os períodos recessivos, não gerar demanda bastante para garantir o pleno emprego dos fatores de produção devido ao "entesouramento" das poupanças. Nessa ocasião seria aconselhável que o Estado criasse déficits fiscais para aumentar a demanda efetiva e instituir uma situação de pleno emprego.

A teoria dos ciclos comerciais, seja ela monetária ou não em sua maneira de apreciar a questão, interessa-se primordialmente pelos problemas das rendas e empregos flutuantes; esses problemas preocuparam os economistas por muitos anos. Os estudos primitivos sobre os ciclos comerciais raramente empregaram muita evidência empírica, mas pelo menos nos Estados Unidos da América a macroanálise existiu durante meio século. Keynes fez a ênfase recair inteiramente sobre os níveis de renda, que segundo ele, afetavam os níveis de emprego, o que constitui, naturalmente, uma ênfase diferente da encontrada nos estudos anteriores. É provavelmente verídico que toda a economia keynesiana tenha-se destinado a encontrar as causas e curas para o desemprego periódico. Keynes não encontrou solução alguma para o problema em quaisquer trabalhos sobre Economia Política então existentes, sendo os seus esforços, portanto, grandemente exploratórios. Desviou-se claramente da maioria das teorias econômicas anteriores, até mesmo da de seu professor, Alfred Marshall, a qual era considerada pela maior parte dos eruditos quase sacrossanta. É verdade que muitas de suas idéias combinaram com as dos economistas anteriores, como Lauderdale, Malthus, Rae, Sismondi, Say, Quesnay e outros. Keynes combinou suas próprias teorias e os desenvolvimentos anteriores em uma análise que ocasionou transformações na Economia aceita em grau que raiou pela revolução.

O objetivo de Keynes, ao defender a intervenção do Estado na economia não é, de modo algum, destruir o sistema capitalista de produção. Muito pelo contrário, segundo o autor, o capitalismo é o sistema mais eficiente que a humanidade já conheceu (incluindo aí o socialismo). O objetivo é o aperfeiçoamento do sistema, de modo que se una o altruísmo social (através do Estado) com os instintos do ganho individual (através da livre iniciativa privada). Segundo o autor, a intervenção estatal na economia é necessária porque essa união não ocorre por vias naturais, graças a problemas do livre mercado (desproporcionalidade entre a poupança e o investimento e o "Estado de Ânimo" ou, como se diz no Brasil, o "Espírito Animal", dos empresários).

[editar] Investimento e expectativas

Para Keynes, o investimento depende da interação entre a eficiência marginal do capital e da taxa de juros, deve-se analisar alguns pontos fundamentais de sua teoria. Keynes não considera, como muitos dos autores neoclássicos, a taxa de juros como um custo de empréstimo ou de financiamento, nem mesmo um custo de oportunidade correspondente ao retorno proporcionado pelos ativos aplicados no mercado financeiro, em relação ao investimento em bens de capital produtivo e nem a diferença de preço entre bens de capital e bens de consumo. A taxa de juros, segundo o próprio autor, é “uma medida da relutância daqueles que possuem dinheiro em desfazer-se do seu controle líquido sobre ele”. Ou seja, é o prêmio que um agente econômico recebe ao privar-se de sua liquidez.

Essa preferência pela liquidez de seus ativos por parte dos agentes econômicos se justifica por causa de incerteza quanto ao futuro dos eventos econômicos e do resultado futuro dos investimentos passados e presentes. Por essa razão, os indivíduos preferem manter sua riqueza na forma de dinheiro.

Por isso, segundo Keynes, a taxa de juros representa um limite ao investimento produtivo, apenas por ser um trade-off do investidor, quando aplica seu capital em uma ampla carteira de ativos, entre o investimento (capital produtivo) e a liquidez (capital monetário).

É bastante discutível as razões pelas quais a eficiência marginal do capital deve ser necessariamente decrescente conforme o volume de investimento. O que ocorre, segundo Keynes, são expectativas de retornos declinantes com o nível de investimento para, de um lado, um dado tamanho (ou crescimento) do mercado, e do outro um crescente risco financeiro associado ao endividamento e à perda de liquidez.

O declínio da eficiência marginal do capital decorre de sua escassez decrescente com o volume demandado, como ocorre com qualquer ativo de capital. Para ativos de capital produtivo, o limite para o investimento é dado pelo mercado dos bens produzidos com esse capital. O declínio do seu rendimento marginal se dá devido aos crescentes custos financeiros decorrentes de amortizações e dívidas contraídas pela empresa investidora, ou ainda o fluxo de desembolsos para o pagamento desses mesmos bens de capital, o que reduz a condição de liquidez da empresa. Esses fatores aumentam os riscos financeiros assumidos pelos investidores, o que faz com que as suas expectativas de retorno sejam cada vez menores.

Em resumo, Keynes percebe o investimento produtivo como um fenômeno monetário, ao invés de autores clássicos que desvinculavam poupança de investimento.A conotação monetária do investimento para Keynes envolve também em reconhecer que as próprias definições do investimento produtivo e de preferência pela liquidez encontram-se interligados pela mútua dependência de expectativas referentes à incerteza frente a acontecimentos futuros.

A peculiaridade das expectativas de longo prazo associadas ao investimento produtivo está principalmente na maior duração do período de comprometimento do investidor com ativos produtivos duráveis, isto é, de baixa liquidez, o que acarreta a dificuldade ou impossibilidade dos erros de correção, por baixos custos, dos erros de previsão quanto aos futuros da economia e dos mercados. Torna-se, portanto, essencial para que os agentes econômicos tomem decisões seguras, buscando minimizar a incerteza.

Porém, como Keynes considera a incerteza uma força endógena ao sistema capitalista, a solução adotada pelos agentes econômicos que possuem ativos é, ao invés de eliminar, contornar as incertezas de suas expectativas pelo recurso da adoção de normas de comportamento convencionais. Essas normas de comportamento convencionais, segundo Keynes, consistem em “supor que o presente estado de coisas continuará indefinidamente a menos que haja razões específicas para esperar mudanças”.

As expectativas de longo prazo não estão sujeitas à revisão repentina, e por isso não podem ser afetadas pelos resultados futuros, e nem eliminadas. Não podem haver, portanto, comportamentos cautelosos, na forma de expectativas adaptativas (e muito menos expectativas racionais), que amenizem as incertezas e estabilizem os investimentos. Pois, a incerteza é uma característica intrínseca do sistema capitalista. Ou seja, em suma, a reação natural dos indivíduos às incertezas quanto aos acontecimentos econômicos futuros é se guiar por um comportamento convencional, que aplaina o caminho do investimento por intermédio de um não desprezível componente inercial das expectativas.

Pensamento e obras

Ver artigo principal: Escola keynesiana

As obras mais famosas de Keynes foram:

* As consequências econômicas da paz (The economic consequences of peace);
* Tratado sobre a moeda (Treatise on money);
* Teoria geral do emprego, do juro e da moeda (General theory of employment, interest and money). Tradutor: CRUZ, Mário Ribeiro da. São Paulo: Editora Atlas, 1992. ISBN 9788522414574
* (em inglês) KEYNES, John Maynard. The end of laissez-faire. Amherst, New York: Prometheus Books, 2004. ISBN 1591022681

As suas idéias e as dos seus seguidores foram adotadas por vários governos ocidentais e por muitos governos do terceiro mundos. Constituem, até hoje, a essência da política econômica mantida nos Estados Escandinavos, cujas populações desfrutam dos melhores padrões de vida do mundo. A sua influência começou a diminuir a partir dos anos 70 com a ascensão dos monetaristas, provocada pela crise do dólar norte-americano de 1971, durante o governo Nixon, quando os Estados Unidos se viram obrigados a interromper a conversibilidade do dólar em ouro, mas ressurge depois de 1986 com a publicação do teorema de Greenwald-Stiglitz e o surgimento dos economistas novo-keynesianos.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Entenda a crise econômica pela ótica de Karl Marx





da Folha Online

Atualmente, os Estados Unidos e muitos outros países enfrentam uma grande crise econômica cuja origem está no mercado de hipotecas norte-americano.

Reprodução

Livro explica a obra de Marx, seus principais conceitos e "profecias"
Mas as crises não são novidade no campo da economia. O pensador Karl Marx (1818-83) formulou algumas ideias sobre crises, medidas de valorização do capital e até sobre o comércio exterior e o mercado de ações, que podem ser encontradas em obras como "O Capital" e "Teorias da Mais-Valia".

No capítulo "Crises e Finanças", do livro "Folha Explica - Karl Marx", editado pela Publifolha, o autor Jorge Grespan explica de forma clara e sucinta o pensamento de Marx sobre crises econômicas. Leia abaixo trecho do capítulo do livro.

*
CRISES E FINANÇAS

Durante muito tempo, Marx foi um dos raros autores que se preocupou com o fenômeno das crises econômicas, considerando-as inevitáveis e inerentes ao sistema capitalista. A maioria dos economistas insistia na capacidade harmonizadora do mercado, relegando as crises a um segundo plano, como algo apenas casual e externo. Outros - mais respeitados por Marx, como Ricardo ou o suíço Sismonde de Sismondi (1773-1842) - até reconheciam a importância delas, mas as concebiam como um limite com o qual o sistema econômico deveria saber lidar. Depois, até em todo o século 20, registra-se um movimento pendular entre fases de predomínio teórico do harmonicismo e fases em que crises violentas, como a de 1929 ou a dos anos 1970, forçaram a incorporação delas ao pensamento econômico aceito pela tradição acadêmica e de instituições oficiais.

Mesmo nesse caso, contudo, as crises se revestem de um caráter funcional, entendidas como mal necessário ou como crises de crescimento, ou ainda, na melhor das hipóteses, como indicadores da incapacidade do setor privado resolver seus problemas sem a intervenção do Estado.

Na teoria de Marx, por outro lado, elas revelam a emergência da dimensão negativa de um sistema marcado pela contradição. Ao contrário do pensamento econômico tradicional, aqui a crise está intimamente associada à crítica. Mas não a uma crítica subjetiva de alguém que analisa de fora e condena, e sim a uma crítica objetiva: desnudando a dimensão negativa no mau funcionamento do sistema, indica-se como o próprio sistema realiza uma espécie de autocrítica. Se o capital é valor que se valoriza, os momentos em que ele desvaloriza o valor existente de maneira inevitável, comprometendo assim a base de seu crescimento, são momentos em que ele mesmo se contradiz, negando as condições de sua existência.

Dito desse modo parece pouco problemático. Mas a teoria das crises de Marx permitiu leituras diversas e conflitantes até entre seus seguidores. Houve quem as atribuísse a meros desequilíbrios entre os setores da economia, ou a uma incapacidade crônica da produção criar mercados, devido às condições antagônicas da distribuição dos produtos no capitalismo; houve ainda os que as circunscreviam ao âmbito financeiro, como se o da produção já não fosse contraditório.

A controvérsia surgiu da forma complexa de apresentação das categorias na teoria de Marx. Há passagens que justificam uma ou outra das interpretações, e na seqüência a desacreditam. O problema pode ser equacionado, no entanto, levando-se em conta o todo da obra e, principalmente, o projeto de Marx desdobrar cada forma do sistema como resultado da negatividade das formas anteriores, indo do mais geral ao mais específico e intrincado.

Em primeiro lugar, então, é preciso retomar o aspecto geral. No final do capítulo 3 foi citado um texto que pode servir muito bem nesse sentido: "O capital é trabalho morto, que apenas se reanima, à maneira dos vampiros, sugando trabalho vivo e que vive tanto mais quanto mais trabalho vivo suga". Vimos como essa passagem sintetiza bem a contradição constitutiva do capital em sua relação com a força de trabalho. Mas um aspecto central deve agora ser acrescentado. É que, ao comprar e incorporar a força de trabalho, o capital está também se apropriando da capacidade de medir o valor, que o trabalho abstrato possui numa sociedade de troca de mercadorias. O capital adquire com isso não só a propriedade de se valorizar como a de medir essa valorização; ele se valoriza e se mede.

Mas a sua relação com a mensuração é contraditória, como também sua relação com a valorização, porque ambas derivam da oposição entre capital e trabalho. Ao mesmo tempo que integra a força de trabalho, o capital também precisa negá-la, substituindo-a por máquinas; ou seja, ao mesmo tempo que adquire a capacidade de se medir, o capital reitera que essa capacidade pertence a um agente que ele mesmo põe como seu oposto. Perde então as suas medidas.

Em todos os níveis da apresentação das categorias de O Capital, aparece essa determinação contraditória da medida e da desmedida. É por ela que vão se definindo em cada nível os distintos conceitos de crise. Se algum deles for isolado dos demais, pode parecer que oferece a única definição possível, invalidando as outras - caminho seguido por grande parte das intérpretes de Marx. Mas, de fato, também o conceito de crise obedece à forma da apresentação que vai do mais geral ao mais complexo, também ele vai enriquecendo seu conteúdo junto com o conceito de capital.

Marx faz questão de indicar a possibilidade de crise já no nível da produção e circulação de mercadorias, refutando qualquer pretensão de que o mercado pudesse ser sempre harmônico. Aqui, a medida aparece na passagem fluida entre compras e vendas, quando há correspondência entre as quantidades do que se produz e do que se demanda; a desmedida, ao contrário, é quando não ocorre tal correspondência, interrompendo o movimento.

A forma desse movimento é descrita por Marx em termos que valem também para as fases seguintes da apresentação: "[] o percurso de um processo através de duas fases opostas, sendo essencialmente, portanto, a unidade das duas fases, é igualmente a separação das mesmas e sua autonomização uma em face da outra. Como elas então pertencem uma à outra, a autonomização [] só pode aparecer violentamente, como processo destrutivo. É a crise, precisamente, na qual a unidade se efetua, a unidade dos diferentes".

A compra e a venda de mercadorias, em primeiro lugar, são as "fases opostas" do processo em que se vende para comprar. Como se realizam pela mediação do dinheiro, elas assim se "separam e autonomizam uma em face da outra", podendo não coincidir. Mas a crise não assinala simplesmente o momento negativo, da não coincidência, e sim a impossibilidade de que essa situação permaneça por muito tempo.

Como as fases de compra e venda se diferenciaram por força de um processo único, que dialeticamente tem de se realizar mediante sua diferenciação em duas fases, chega um momento em que essa autonomia não pode prosseguir. A unidade do processo se afirma, mas como reação violenta à autonomização das fases. No mercado como um todo, a discrepância possível entre compras e vendas precisa ser corrigida e, quando isso acontece, verifica-se a incompatibilidade entre os valores daquilo que se comprou e agora tem de pagar com o dinheiro de uma venda que pode não ocorrer. Segue-se um ajuste violento de contas, e valores simplesmente desaparecem.

Essa forma geral da crise se reapresenta quando a finalidade é definida pelo capital como a de "comprar para vender". A discrepância ocorre no mercado de trabalho, ou nas compras e vendas recíprocas dos vários setores em que se divide a produção entre os capitalistas, ainda mais considerando que tudo isso se realiza pela concorrência. A discrepância de valores significa então que alguns terão prejuízo, talvez grande, vindo a falir. Parte do capital existente se desvaloriza, negando o próprio conceito de valor que se valoriza.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Consenso de Washington (Wikipédia)

Consenso de Washington é um conjunto de medidas - que se compõe de dez regras básicas - formulado em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras baseadas em Washington, como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, fundamentadas num texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy, e que se tornou a política oficial do Fundo Monetário Internacional em 1990, quando passou a ser "receitado" para promover o "ajustamento macroeconômico" dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades.

Segundo Dani Rodrik: "Enquanto as lições tiradas pelos proponentes (do Consenso de Washington) e dos céticos diferem, é legítimo dizer que ninguém mais acredita no Consenso de Washington. A questão agora não é saber se o Consenso de Washinton ainda vive; é saber-se o que deverá substituí-lo" [1] [2].

* 1 O termo "Consenso de Washington"
* 2 O Consenso de Washington na prática da política econômica mundial
* 3 As dez regras básicas
* 4 Resultados
* 5 A Malásia: uma "solução alternativa" aos programas do FMI ?
* 6 Notas
* 7 Referências
* 8 Bibliografia

John Williamson criou a expressão "Consenso de Washington", em 1990, originalmente para significar: "o mínimo denominador comum de recomendações de políticas econômicas que estavam sendo cogitadas pelas instituições financeiras baseadas em Washington e que deveriam ser aplicadas nos países da América Latina, tais como eram suas economias em 1989." [3]

Desde então a expressão "Consenso de Washington" fugiu ao controle de seu criador e vem sendo usada para abrigar todo um elenco de medidas e para justificar políticas neoliberais, com as quais nem mesmo Williamson concorda:

"Claro que eu nunca tive a intenção que meu termo fosse usado para justificar liberalizações de contas de capital externo...monetarismo, supply side economics, ou minarquia (que tira do Estado a função de prover bem-estar social e distribuição de renda), que entendo serem a quintessência do pensamento neoliberal". [3]

Consenso de Washington na prática da política econômica mundial

Independentemente das intenções originais de seu criador, o termo "Consenso de Washington" foi usado ao redor do mundo para consolidar o receituário de caráter neoliberal - na onda mundial que teve sua origem no Chile de Pinochet, sob orientação dos Chicago Boys, que seria depois seguida por Thatcher, na Inglaterra (thatcherismo) e pela supply side economics de Ronald Reagan (reaganismo), nos Estados Unidos.

O FMI passou a recomendar a implementação dessas medidas nos países emergentes, durante a década de 90, como sendo uma fórmula infalível, destinada a acelerar seu desenvolvimento econômico.

De início essas idéias foram aceitas e adotadas por dezenas de países sem serem muito questionadas.

Só após a grave crise asiática, em 1997, da quase quebra da Rússia, que viu seu PIB cair 30%, da "quebra" da economia Argentina [4] - que recebia notas A+ do FMI pelo zelo com que aplicava suas sugestões [5] - e de vários outros desajustes econômicos ocorridos pelo mundo, o "Consenso" foi adaptado e, desde 2004, já revisto pelo próprio FMI [6], que abandonou o dogmatismo inicial. [7]

A popularização dessas políticas econômicas criadas, foi muito facilitada pelo entusiasmo que gerou a queda do muro de Berlim e foi ajudada pela decadência do socialismo soviético, numa época em que parecia que os países que seguiam o planejamento central estavam fadados ao fracasso econômico e político.

«Estabilizar privatizar e liberalizar tornou-se o mantra de uma geração de tecnocratas que estavam tendo sua primeira experiência no mundo subdesenvolvido, e dos líderes políticos por eles aconselhados [1].»

(Dani Rodrik, Professor de Política Econômica Internacional, Universidade de Harvard)

Muitos países subdesenvolvidos acabaram por implementar, em vários graus, componentes desse pacote econômico, com resultados muito debatidos. Críticos do Consenso de Washington alegam que o pacote levou à desestabilização econômica [8]. Outros acusam o Consenso de Washington de ter produzido crises, como a da Argentina, e pelo aumento das desigualdades sociais na América Latina. Frequentemente os críticos do Consenso de Washington são associados por seus defensores - ou são acusados de serem associados - ao socialismo ou à antiglobalização. Mais recentemente essas críticas vêm sendo engrossadas por acadêmicos norteamericanos, como fez Dani Rodrik, Professor de Política Econômica Internacional na Universidade de Harvard, em seu trabalho Adeus Consenso de Washington, Olá Confusão de Washington ? [1].

As dez regras básicas

* Disciplina fiscal

* Redução dos gastos públicos

* Reforma tributária

* Juros de mercado

* Câmbio de mercado

* Abertura comercial

* Investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições

* Privatização das estatais

* Desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas)

* Direito à propriedade intelectual

Resultados

O entusiasmo despertado pelas reformas preconizadas pelo Consenso de Washigton foi tal em muitos países, inclusive no Brasil, que a lista de 10 recomendações do Williamson tornou-se humilde e inócua por comparação. A liberalização e abertura para os fluxos de capitais internacionais foi muito além daquilo que o próprio Williamson julgava adequado ( e prudente) de seu ponto de vista dos anos 80, em muitos países subdesenvolvidos. Apesar dos protestos de Williamson, sua agenda de reformas passou a ser percebida, ao menos por seus críticos, como um esforço ideológico destinado a impor o neoliberalismo, e o fundamentalismo de livre mercado, aos países emergentes.

Uma das coisas que é hoje mais ou menos consensual acerca dessas reformas é que as coisas não sairam como fora planejado. Mesmo os mais ardorosos defensores das políticas preconizadas então pelo Consenso de Washington concordam que o crescimento ficou muito abaixo do esperado na América Latina, e que o "período de transição" foi muito mais profundo e duradouro nas economias anteriormente socialistas do que fora imaginado [1].

A autocrítica desenvolvida no documento The World Bank’s Economic Growth in the 1990s: Learning from a Decade of Reform (2005), é altamente supreendente na medida em que nos mostra como nos distanciamos das idéias originais do Consenso de Washington. Gobind Nankani, vice presidente do Banco Mundial escreveu no seu prefácio: "(...)que não há um único conjunto universal de regras. temos que nos afastar de fórmulas pré-estabelecidas, e da procura por 'melhores práticas' ilusórias..." (p. xiii). A nova ênfase do Banco Mundial reside agora na necessidade da humildade, em políticas diversificadas, em reformas limitadas e seletivas, e na necessidade da experimentação. [9]. Segundo Dani Rodrik, por vezes seu leitor tem que ser relembrado de que não tem em suas mãos algum manifesto radical, mas sim um relatório oficial preparado na própria sede da ortodoxia econômica universal no campo do desenvolvimento [1]. O relatório do Banco Mundial reconheceu que, em primeiro lugar, houve um colapso, prolongado e inesperado, na produção dos países em transição das economias anteriormente comunistas. Mais de uma década depois de iniciada a transição para os livremercados, muitos países anteriormente comunistas ainda não tinham recuperado seus níveis anteriores de produção [1]. Em segundo lugar a África Sub-Sahariana não 'decolou', a despeito das reformas políticas e nas melhoras das políticas externas e do contínuo influxo de ajuda econômica. Os sucessos foram poucos - Uganda, Tanzania e Moçambique são os mais citados, mas uma década depois suas economias ainda permanecem frágeis [1]. Em terceiro lugar houve recorrentes e dolorosas crises financeiras na América Latina, Leste Asiático e Turquia. A maioria dessas crises era imprevisível, até que o fluxo de capitais, em mercados liberados, reverteu-se subitamente [1]. Em quarto lugar o crescimento da América Latina em termos per capita ficou muito abaixo do período 1950-80, apesar dos desmantelamento das políticas estatizantes, populistas e protecionistas dos antigos regimes da região. Finalmente a Argentina, a garotapropaganda das teses do Consenso de Washington, desabou em 2002 [1].

A Malásia: uma "solução alternativa" aos programas do FMI ?

A Malásia se constitui num caso curioso, que pode servir de "experiência de laboratório" para as recomendações de política econômica receitadas pelo Consenso de Washington.

Isto porque a Malásia, quando da crise asiática, em 1997-98, sofreu uma forte crise cambial - com sua moeda, o ringgit, caindo de 2,50 para 4,20 por dólar - e fez exatamente o oposto do que recomenda o FMI nas mesmas circunstâncias, obtendo grande sucesso [10].

Nas crises de fugas de capitais, que se transformam em crises cambiais, o FMI recomenda a flutuação das taxas de câmbio; a Malásia fixou-as. O FMI sugere uma forte elevação dos juros; a Malásia reduziu-os. O FMI receita redução dos gastos públicos para reduzir a relação dívida/PIB. A Malásia aumentou os gastos públicos e impôs uma trajetória ascendente à sua relação dívida/PIB.

Tudo isso só pôde ser feito por que a Malásia neutralizou, com a adoção de rígidos controles [11], os possíveis impactos que a plena movimentação de capitais de curto prazo poderia ter causado à sua economia.

A recuperação malaia foi impressionante. Sua indústria cresceu 8,5% em 1999, ano em que seu PIB cresceu 5,4%e seu PIB continuou a crescer 7,8% em 2000 e 7% em 2001. A inflação, que em 1998 - antes da crise - fora de 5,3%, caiu para 2,8% em 2000 e 2,2% em 2001. A relação dívida/PIB, que era de 60% antes da crise, manteve-se em alta e hoje atinge um patamar superior a 70%.

Um estudo acadêmico bastante conhecido, elaborado por KAPLAN e RODRIK, constatou que a recuperação da Malásia, na crise 1997-98, foi mais rápida e menos custosa quando comparada à recuperação da Tailândia e a da Coréia, que seguiram à risca o receituário do FMI [10].

Notas

O mais curioso é que, apesar de ser a "modernidade" um dos mitos legitimadores do discurso neoliberal, seus "criadores" repetem, na essência, as normas enumeradas, em 1843, pela revista The Economist, por ocasião de sua fundação.

Criada pelos representantes da indústria textil de Manchester, a revista The Economist tinha como objetivo a defesa do livre-comércio, do internacionalismo e da mínima interferência do governo, especialmente nos negócios de mercado, princípios que mantém até hoje. [12]

Recentemente The Economist, a centenária e respeitada revista britânica de linha editorial liberal, comentou que "é amplamente reconhecido que a liberalização dos mercados financeiros domésticos e os fluxos de capitais através das fronteiras foram uma das causas principais de Crise asiática". [13]

Referências

1. ↑ 1,0 1,1 1,2 1,3 1,4 1,5 1,6 1,7 1,8 Dani Rodrik1. Goodbye Washington Consensus, Hello Washington Confusion? Harvard University, January 2006
2. ↑ Em um livro editado com Pedro-Pablo Kuczynski em 2003, John Williamson planejou uma agenda de reformas expandida, enfatizando a proteção contra crises nas economias, reformas de "segunda geração" e políticas levando em conta desiguldades de renda e problemas sociais (Kuczynski e Williamson, 2003)
3. ↑ 3,0 3,1 Washington Consensus, Center for International Development at Harvard University.
4. ↑ CARMO, Márcia.FMI cedeu, diz governo da Argentina. Buenos Aires, BBC Brasil.com, 9/3/2004, 18h55 Brasília
5. ↑ GOMEZ, Rafael. FMI admite 'erros' antes da crise argentina. Miami, BBC Brasil.com 25/3/2004, 23h36 Brasília
6. ↑ ENGLISH,Simon. IMF admits its policies seldom work New York: Telegraph.co.uk, 11:40pm GMT 19/03/20
7. ↑ (em inglês) STIGLITZ, Joseph. More Instruments and Broader Goals: Moving Toward the Post-Washington Consensus. The 1998 WIDER Annual Lecture. Helsinki, Finlândia, 07/1/1998.
8. ↑ Mason, Mike (1997). Development and Disorder: A History of the Third World since 1945. Hanover: University Press of New England, 428.
9. ↑ World Bank, Economic Growth in the 1990s: Learning from a Decade of Reform, Washington, DC, World Bank, 2005
10. ↑ 10,0 10,1 KAPLAN, Ethan e RODRIK, Dani. Did The Malasyan Capital Controls Work. Harvard University, John F. Kennedy School of Government, Cambridge, revised 2001
11. ↑ A Guide To The Exchange Control Rules
12. ↑ PEREIRA, Raimundo Rodrigues. A República Enviesada. São Paulo: Revista CartaCapital, no. 425, p. 47, 27/12/2006.
13. ↑ The Economist, June 12, 1999, p. 65

Bibliografia

* BASTOS, Pedro Paulo Zahluth; BIANCARELI, André Martins; DEOS, Simone Silva de. Controle de capitais e reformas liberais: uma comparação internacional.UNICAMP: Economia e Sociedade, Campinas, v. 15, n. 3 (28), p. 545-576, dez. 2006

* (em inglês) CROTTY, James. Slow Growth, Destructive Competition, and Low Road Labor Relations: A Keynes-Marx-Schumpeter Analysis of Neoliberal Globalization. PERI- Political Economy Research Institute, PERI Publications, 11/1/2000

* (em inglês) ENGLISH,Simon. IMF admits its policies seldom work New York: Telegraph.co.uk, 11:40pm GMT 19/03/20

* (em inglês) KAPLAN, Ethan e RODRIK, Dani. Did The Malasyan Capital Controsl Work. Harvard University, John F. Kennedy School of Government, Cambridge, revised 2001

* (em inglês) RODRIK, Dani. Goodbye Washington Consensus, Hello Washington Confusion? Harvard University, January 2006

* (em inglês) STIGLITZ, Joseph. More Instruments and Broader Goals: Moving Toward the Post-Washington Consensus. The 1998 WIDER Annual Lecture. Helsinki, Finlândia, 07/1/1998.

* (em inglês) STIGLITZ, Joseph E. There is no invisible hand. London: The Guardian Comment, December 20, 2002.

* (em inglês) STIGLITZ, Joseph E.Making Globalization Work. New York, London: W. W. Norton, 2006.