sábado, 21 de novembro de 2009

O neoliberalismo está "vivinho da silva"


O recente colapso da economia mundial, causado predominantemente pela falta de regulação dos mercados financeiros, provocou uma erosão na credibilidade do neoliberalismo. No entanto, segue exercendo uma forte influência na maioria dos economistas e dirigentes de empresas, sobretudo pela ausência de uma doutrina alternativa. Por que a contínua invocação dos mantras neoliberais quando as promessas desta teoria foram contraditadas pela realidade em quase todas as ocasiões? O artigo é de Walden Bello.

Manila, Nov (IPS) – O recente colapso da economia mundial, causado predominantemente pela falta de regulação dos mercados financeiros, provocou uma erosão na credibilidade do neoliberalismo. No entanto, segue exercendo uma forte influência na maioria dos economistas e dirigentes de empresas, sobretudo pela ausência de uma doutrina alternativa.

Por que a contínua invocação dos mantras neoliberais quando as promessas desta teoria foram contraditadas pela realidade em quase todas as ocasiões?

O neoliberalismo é uma perspectiva que advoga a favor do mercado como o principal regulador da atividade econômica, enquanto busca limitar ao mínimo a intervenção do Estado.

Em tempos recentes, o neoliberalismo foi identificado com a própria ciência econômica, dada sua hegemonia como um paradigma dentro da disciplina, que induz à exclusão de outros enfoques.

Dado que a economia é vista em muitos setores como uma ciência irrefutável, quase como a física (é a única ciência social para a qual há um Prêmio Nobel), o neoliberalismo teve uma tremenda e penetrante influência não só em âmbitos acadêmicos, mas também nos meios políticos. Enquanto a Universidade de Chicago, lar do guru neoliberal Milton Friedman, se converteu em fonte de sabedoria acadêmica, em círculos tecnocráticos o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial foram vistos como instituições-chave que levaram esta teoria à política com uma série de prescrições que eram aplicáveis a todas as economias.

É surpreendente comprovar como só recentemente o liberalismo se transformou em um paradigma hegemônico. Até meados dos anos 70, as orientações econômicas keynesianas, que promoviam uma boa dose de intervenção estatal como necessária para a estabilidade e um crescimento econômico constante, eram a ortodoxia. No chamado Terceiro Mundo, o desenvolvimentismo, que prescrevia os princípios keynesianos para as economias que estavam insuficientemente penetradas e transformadas pelo capitalismo, era o enfoque predominante. Havia um tipo conservador de desenvolvimentismo e outro progressista, mas ambos viam o Estado como o mecanismo central do desenvolvimento.

Creio que há três razões pelas quais o neoliberalismo, apesar de seus fracassos, segue sendo dominante.

Em primeiro lugar, em certos países em desenvolvimento como Filipinas, a corrupção continua sendo considerada geralmente como uma explicação para o subdesenvolvimento. Deriva daí o argumento segundo o qual o Estado é a fonte da corrupção e o incremento do papel do Estado na economia, inclusive como regulador, seja visto com ceticismo. O discurso neoliberal concorda perfeitamente com esta teoria da corrupção, minimizando o papel do Estado na vida econômica e sustentando que tornar as relações de mercado dominantes nas transações às custas do Estado reduzirá as oportunidades para a corrupção tanto dos agentes econômicos quanto dos estatais.

Por exemplo, para muitos filipinos o Estado corrupto foi e segue sendo o principal obstáculo para a melhoria do nível de vida. A corrupção estatal é vista como o maior impedimento para o desenvolvimento econômico sustentável. A corrupção, por óbvio, deve ser condenada por razões morais e políticas, mas a suposta relação entre corrupção e subdesenvolvimento tem, de fato, pouca base.

Em segundo lugar, apesar da profunda crise do neoliberalismo, não surgiu ainda nenhum paradigma ou discurso alternativo convincente nem local nem internacionalmente. Não há nada parecido com o desafio que os princípios keynesianos colocaram ao fundamentalismo do mercado durante a Grande Depressão dos anos 30 do século passado. Os desafios apresentados por economistas estelares como Paul Krugman, Joseph Stiglitz e Dani Rodrik continuam enquadrados dentro dos limites da economia neoclássica.

Em terceiro lugar, a economia neoliberal segue projetando-se com a imagem de uma “ciência irrefutável” em razão de ter introduzido meticulosamente a tecnologia matemática. Como seqüela da recente crise financeira, esta extrema aplicação da matemática foi objeto de críticas dentro da própria profissão. Alguns economistas sustentam que o predomínio da metodologia sobre a substância converteu-se na finalidade da prática econômica e, consequentemente, a disciplina perdeu contato com as tendências e os problemas do mundo real.

Vale a pena notar que John Maynar Keynes, que era uma mente matemática, se opôs à “matematização” da disciplina precisamente pelo falso sentido de solidez que dava à economia. Como registrou seu biógrafo Robert Skidelsky, “Keynes era notoriamente cético acerca da econometria” e os números “eram para ele simplesmente pistas, indicações, gatilhos para a imaginação”, ao invés de expressões de certezas sobre fatos passados e futuros.

Superar o neoliberalismo, portanto, requer ir além da veneração dos números que, freqüentemente, cobrem a realidade, e ir além também do suposto cientificismo neoliberal.

(*) Walden Bello, é deputado da República das Filipinas e analista do centro de estudos Focus on the Global South (Bangkok)

Tradução: Katarina Peixoto

domingo, 8 de novembro de 2009

A Esquerda depois do Muro (Emir Sader)



07/11/2009

A Esquerda depois do Muro

A queda do Muro de Berlim marca o fim do período aberto com a Revolução Soviética de 1917 que – para dizê-lo em palavras de Georgy Lukacs – colocou o socialismo como um tema da “atualidade histórica”.

As lutas revolucionárias, mesmo na atrasada periferia capitalista, passaram a ter o socialismo como objetivo.

A passagem do capitalismo à sua fase superior, o imperialismo - segundo a clássica analise de Lenin, confirmada pelas duas guerras mundiais, ambas interimperialistas – constituía uma cadeia mundial que articulava a todas as sociedades existentes.

A Revolução Soviética era explicável nessa lógica e se via como possivel “saltar etapas”, construir uma revolução anticapitalista dirigida pelo proletariado.

“Revolução socialista ou caricatura de revolução”, disse décadas depois o Che, sintetizando o significado da atualidade da revolução socialista.

Os grandes debates da esquerda se davam então em torno das estratégias diretamente socialistas ou etapistas, reformistas ou revolucionárias, parlamentares ou insurrecionalistas, mas sempre na direção do socialismo.

O tema do poder e da profundidade que deveriam ter as transformações uma vez alcançado esse objetivo, estavam também no centro dessa discussão.

O proceso chileno do começo dos anos 70 é um claro exemplo desses debates e dilemas. Discutiam-se as vias de construção do socialismo, mas não o objetivo em si, o socialismo – mesmo

Allende tendo sido eleito com um terço dos votos e a Unidade Popular ter conseguido aumentar para um máximo de 43% dos votos seu apoio. Ainda assim Allende começou a colocar em prática um programa que pretendia expropriar as 150 maiores corporações instaladas no Chile.

Mas como destruir o capitalismo e constuir o socialismo, sem contar com o apoio da grande maioria do país? A esse dilema teve que se enfrentar a esquerda chilena, sem nunca questionar se as condições para a implantação imediata do socialismo estavam dadas.

1989 e suas consequências imediatas – o fim do campo socialista, da URSS e da bipolaridade mundial – fizeram com que o mundo ingressasse em um novo periodo histórico.

Terminou a etapa da bipolaridade e o socialismo desapareceu da agenda mundial como “atualidade histórica”. A isto se somou a adesao da China a uma economia de mercado e a virada de Cuba para uma situação de defensiva, durante seu “período especial” e, no campo da esquerda, ter como objetivo central a luta antineoliberal.

Esse novo período se caracterizou tambem pela passagem de um ciclo longo expansivo do capitalismo – que Hobsbawn caracterizou como “a era de ouro capitalismo”, do segundo pós guerra à crise de 1973 – a um ciclo longo recessivo e por passar da hegemonía de um modelo regulador (ou keynesiano ou de bem-estar social) a um modelo desregulador, neoliberal.

A combinação dessas três viradas – todas de carater regressivo – fizeram com que a esquerda passasse de um protagonismo esencial a uma situação de defensiva e de perda de iniciativa.

Sua nova cara apareceu com o Fórum Social Mundial, que levantou um lema minimalista, já não mais anticapitalista e socialista, mas simplesmente “Um outro mundo é possível”. Não se menciona que mundo será esse, ainda que se possa deduzir que seja antineoliberal, mas não necesariamente anticapitalista.

Nesses lemas a referência ao capitalismo desaparece, mesmo se se faz referência direta à mercantilização – “O essencial não tem preço” -, característica essencial das análises de Marx.

Com o muro caiu tambem uma determinada maneira de interpretar o mundo.

Na era bipolar havia duas interpretacoes em disputa: uma considerava que a contradiçãao fundamental no mundo contemporâneo era entre capitalismo e socialismo; a outra acreditava que era entre democracia e totalitarismo.

Com a vitória do bloco occidental triunfou tambem sua versão do mundo e a democracia liberal passou a ser sinônimo de democracia, enquanto a economia capitalista se tornou equivalente a economia.

O tamanho da derrota e dos retrocessos para a esquerda foram enormes e, ao mesmo tempo, difíceis de medir concretamente. Basta dizer que a chamada “globalização” se erigiu em alguns dos seus aspectos fundamentais sobre esses reveses. A incorporação ao mercado mundial de territórios que estavam parcial ou totalmente subtraídos dessa órbita, como a China, os países do leste europeu e a Rússia.

As empresas estatais foram maciçamente transferidas para o mercado mediante extensos e acelerados processos de privatização. Recursos naturais como a água foram mercantilizados e passaram a mãos privadas. Os direitos à saúde e à educação foram transformados em bens negociáveis no mercado.

Os Estados planificadores foram reduzidos ao Estado mínimo. A abertura dos mercados debilitou as soberanias nacionais. A maior parte dos trabalhadores deixou de ter a segurança dos contratos de trabalho.

Vítimas privilegiadas deste novo período foram a classe trabalhadora e o movimento sindical; o socialismo e as forças de esquerda; o Estado, os partidos e a política; a planificação econômica e as soluções coletivas. O individualismo possessivo, o mercado, o egoísmo, o consumismo, os shopping centers, as grandes marcas, as empresas como símbolo do dinamismo econômico, entre outros valores, passaram a constituir o novo modelo econômico.

O neoliberalismo tornou-se dominante não apenas como política de governo, mas como modelo hegemônico, como valores, como forma de vida.

Nesse marco, o que caracteriza a esquerda do século XXI, aquela posterior à queda do Muro?

Antes de tudo, ser antineoliberal. O neoliberalismo representa a forma mais desenvolvida do capitalismo, porque promove a seu nível mais alto a mercantilização, a transformação de tudo em mercadoria, a conversão do mundo em um lugar em que tudo tem preço, tudo se vende, tudo se compra.

É o modelo hegemônico que articula todo o sistema econômico, político e ideológico do poder mundial. Mas o que significa ser antineoliberal?

Não somente opor-se e resistir às políticas neoliberais, mas desmercantilizar, afirmar direitos contra a competição do mercado, construir a esfera pública contra a esfera mercantil. Na América Latina é onde a nova esquerda pós-Muro de Berlim mais se desenvolveu. É aqui onde o neoliberalismo nasceu. Aqui os governos dessa tendência mais se multiplicaram e da forma mais radical. Nossa região reagiu frente às graves consequências dessas políticas, elegendo, desde 1998, o maior número de governos progresistas da nossa história. Governos que têm diferenças em suas políticas, mas todos se caracterizam por dois elementos essenciais: todos eles privilegiam os processos de integração regional contra os Tratados de Livre Comércio com os EUA e o privilégio que dão às políticas sociais em contraposição ao privilégio dos ajustes fiscais do neoliberalismo.

Esta nova esquerda, nascida da resistência ao neoliberalismo, tem assim diferenças no seu interior: por um lado estão os governos mais moderados, como os do Brasil, da Argentina, do Uruguai, do Paraguai, de El Salvador, da Nicarágua; e os mais radicais, como os da Venezuela, da Bolívia, do Equador, de Cuba.

Mas todos se colocam como objetivo a superação do neoliberalismo, alguns para construir modelos pós neoliberais, outros para avançar na direcao do anticapitalismo e do socialismo.

Trata-se de uma esquerda que se deu conta de que não basta resistir, denunciar e protestar – tarefas indispensáveis de quem se opõem a um mundo dominado pelo poder das armas, do dinheiro e do monopólio da palavra -, mas que também é preciso construir o “outro mundo possível”, como alternativa concreta, para o que é preciso disputar hegemonia, inovar projetos e vias, se lançar a criar a esquerda do século XXI, para que os reveses tenham sido tropeços e não quedas, e as lições sirvam para avançar em lugar de seguir chorando sobre o Muro caído.

Postado por Emir Sader às 14:51

sábado, 7 de novembro de 2009

Vinte anos após a queda do muro, comunistas governam 7 países e 20% da população mundial

Haroldo Ceravolo Sereza
Do UOL Notícias
Em São Paulo

Vinte anos após o começo do "fim do comunismo", partidos comunistas governam sete países. Cinco destes governos já existiam antes do colapso do sistema soviético, em 1991, e mantêm o poder concentrado num sistema de partido único ou próximo disto - China, Cuba, Coreia do Norte, Vietnã e Laos. Em outros dois, os PCs lideram governos eleitos democraticamente - Chipre e Nepal.

Os sete países contam com uma população estimada de quase 1,5 bilhão de pessoas (1,34 bilhão vive na China; o segundo mais populoso é o Vietnã, com quase 87 milhões de habitantes), ou pouco mais do que 22% dos 6,7 bilhões de pessoas se estima viverem sobre Terra.

Além disso, os partidos comunistas próximos às duas linhas mais tradicionais - a soviética e chinesa - participam de vários governos do mundo, em países que são capitalistas. É o caso da África do Sul, em que os comunistas são parte fundamental do Congresso Nacional Africano, de Nelson Mandela e de todos os presidentes após o fim do regime do apartheid, em 1994. No Brasil, com o PC do B, eles também integram o governo, com menor força.

Partidos comunistas têm força significativa em outros dois países dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul): na Rússia, o PC é o maior partido de oposição ao grupo político do primeiro-ministro e ex-presidente Vladimir Putin, e na Índia, é o maior partido em alguns Estados.

A força política dos partidos comunistas passa, no entanto, por, pelo menos, mais flexibilização econômica na maioria dos casos, além de mudanças na postura em relação a ex-inimigos e novos aliados.

Na China, em especial, mecanismos capitalistas de atuação econômica ganharam enorme força nos últimos 20 anos, período que coincidiu com a ultrapassagem da Alemanha e a transformação da China na terceira maior economia do mundo.

Uma ambiguidade que é assim resumida por Edmilson Costa, professor de economia de universidades privadas de São Paulo e dirigente do PCB (Partido Comunista Brasileiro): "O que acontece lá (na China) é uma estrutura que mistura capitalismo com socialismo e que você não sabe aonde vai dar. Pode ser que não dê certo, mas o destino não está dado. O PC chinês ainda dirige o processo", afirma.

"Torço para que dê socialismo. A China desorienta todas as teorias. Com a crise, reorientaram a economia para o mercado interno, manejando com competência", completa Costa.

Mas como os comunistas brasileiros explicam a permanência da China sob o comando de um partido comunista, após o fim do sistema soviético, contra uma série de previsões feita "no calor da hora", nos anos 1990?

O jornalista Bernado Joffilly, que dirige o portal de informações Vermelho, do PC do B , assim explica o sucesso do PC chinês em permanecer no poder: "Depois da queda do Muro de Berlim, a China adotou um 'baixo perfil' internacional e ideológico. Provavelmente com razão. No pós-muro, um país socialista que quisesse continuar socialista tinha de ser 'low profile'".

Um dos problemas que o país enfrenta, agora, com o sucesso econômico, é justamente esse: "Agora não dá mais para ser de baixo perfil."

Há uma alta dose de pragmatismo na análise de Joffilly - que, durante a entrevista, fez questão de dizer mais de uma vez que falava em nome pessoal e não pela direção do PC do B. "A China tem lá o socialismo deles, que coexiste com o capitalismo. Eles estão fazendo uma mescla, que está dando certo", diz, para emendar: "Os povos fazem as revoluções para viverem melhor. Desse ponto de vista, 500 milhões de pessoas saíram a pobreza na China."

Antiga Alemanha Oriental sofre declínio após queda do Muro

Novos caminhos
PC do B e PCB ilustram, cada um a sua maneira, os novos caminhos que os comunistas tiveram de buscar após a queda do muro. Os dois partidos, que se reivindicam herdeiros do Partido Comunista do Brasil fundado em 1922, viveram, do fim da ditadura em 1985 até hoje, o maior período de legalidade no país.

Em 1991, o PC do B não era próximo de nenhum dos dois grandes blocos comunistas - não defendia nem o modelo soviético nem o chinês, mas o da Albânia, um pequeno e empobrecido país europeu que se tornou um bastião da ortodoxia comunista. Nascido de uma ruptura pró-chinesa do PCB na década de 1960, o partido, portanto, não era exatamente um defensor do socialismo soviético.

Ainda assim, teve de responder pela crise que o sistema enfrentou. "Talvez tenhamos sido mais críticos do que devíamos", avalia Joffilly. "Porque o mundo dividido em duas superpotências era melhor do que o mundo com uma só potência."

Retrospectivamente, ele avalia que a União Soviética sofria com algumas questões centrais: "Havia um déficit democrático e um déficit teórico evidentes."

Em 1989, depois de ter vivido alguns anos na Albânia (onde aprendeu a língua, da qual traduz os romances do escritor Ismail Kadaré, hoje um crítico do comunismo). Joffilly fazia campanha para Lula, arrecadando dinheiro entre os metalúrgicos de São Bernardo. "Naquele momento, aqui no Brasil, foi a 'avant première' do que ocorreria na América Latina dez anos adiante, do México à Patagônia. A América Latina lia a questão do muro de outra maneira", diz.

Para ele, Lula no Brasil, Hugo Chávez na Venezuela, Tabaré Vazquez no Uruguai, e experiências em toda a região ("pula a Colômbia") "fazem parte deste movimento antineoliberal, progressista, de esquerda, centro-esquerda, plural, desigual, de inclinação socialista - no caso de Venezuela, Bolívia, Equador - que cresceu na região nos últimos 20 anos.

Pessoas que viveram na Berlim dividida contam suas histórias

O PCB, por sua vez, era o partido associado ao modelo soviético. Só nos anos 1980 o partido ficaria mais próximo dos partidos comunistas da Europa Ocidental, que passaram a defender com mais vigor a democracia ocidental. Assim, o governo do secretário-geral Mikhail Gorbatchev significava uma possibilidade de reforma dentro do socialismo.

"O fim da União Soviética foi como se eu tivesse perdido o pai, a mãe e a família inteira num desastre. Nós tínhamos uma ligação história com o PC da União Soviética, pagamos um preço muito alto", diz Edmilson Costa. "Para nos, glasnost e perestroika significavam mais democracia e mais socialismo", mas "o muro caiu com o apoio do Gorbatchev".

Para ele, "o cansaço da população, a estrutura do regime, a falta de liberdade para ir e vir" explicam a ruína do sistema. Além, claro, do poder sedutor do capitalismo: "É uma vitrine sedutora, mas que não é para todos, é só para alguns."

O PCB, que em 1989 apresentou-se nas eleições presidenciais com a candidatura de Roberto Freire, iniciou a década de 1990 na sua mais profunda crise. Seguindo tendência de outros partidos ocidentais, a direção sob o comando de Freire abandonou o marxismo como linha política e tirou o nome comunista, passando a se chamar PPS (Partido Popular Socialista).

O grupo que não aceitou a mudança buscou, então, refundar o partido e manter o nome PCB. "Caído o Muro, sem a União Soviética, partimos para refazer as filiações."

Edmilson pegou as férias a que tinha direito e partiu para o interior do Mato Grosso do Sul. Pelas regras da Justiça eleitoral, era mais fácil conseguir as assinaturas necessárias em pequenas cidades do que nos grandes centros.

"Uma advogada do partido foi a uma cidade e parou num local. Reparou que havia muitas mulheres. Pediu um refrigerante. Falou com a dona, uma argentina. Que disse que também era comunista. E daquela casa de 'rendez-vous' saiu o presidente do partido no Mato Grosso do Sul, filho da argentina", conta ele.

Aos poucos, os dois partidos refizeram suas imagens. O PC do B reforçou a aliança com o PT iniciada no final dos anos 1980 e o PCB redefiniu muitas de suas posições e faz oposição a Lula hoje unido a partidos com fortes tendências trotskistas (PSTU e PSOL), antigos inimigos dentro da esquerda.

Também mudou uma de suas mais importantes posições históricas. O PCB não acredita mais que deve se aliar a setores da burguesia, como no passado. "O Brasil é hoje sociedade tipicamente burguesa, então a revolução é socialista. Antes, achávamos que ela podia ser nacional-democrata. Mas a burguesia brasileira não quer mais cumprir uma tarefa nacional, quer participar do jogo internacional do capital, se contradição, luta cotidiana."

E o futuro?
Tanto Costa quanto Joffilly fazem discursos agregadores.

Costa avalia que o PC do B não é comunista, mas afirma que o PCB está "procurando juntar pequenas organizações comunistas", que atuam de forma independente pelo país. "São ações comuns, unidade na ação, para futura unificação de todas as forças comunistas. Porque tem mais comunistas fora do que dentro do partido, e as fraturas só cicatrizam quando há unidade política e de ação."


"Fora do PC do B, existem comunistas. Acho ótimo que exista um partido relativamente grande, candidato a nuclear os outros. Espero que todo mundo que é comunista entre no PC do B. Gostaria que os companheiros do PCB estivessem com o PC do B", afirma, por sua vez, Joffilly. "PSTU e PCB fazem oposição a Lula. Eu não faço veto. Tem democracia interna, eles podem disputar as posições. Nós criticamos, por exemplo, a política do Henrique Meirelles, para nós ela tinha de cair", completa.

Joffilly vê na crise do sistema soviético um momento histórico. "De 1815 a 1848, a burguesia pastou uma derrota na França. Assim como em 1815 teve a restauração monárquica, em 1989 houve a restauração capitalista."

Vinte anos depois, os dois PCs brasileiros avaliam que as perspectivas são boas: "Acho que a crise vai se agravar. Podemos ter uma outra conjuntura internacional. E as crises são parteiras da história", diz Costa.

"Felizmente, benza-deus, parece que pensamento único, fim da história e consenso de Washington acabaram. A crise do capitalismo abre a possibilidade de retomada das ideias socialistas como alternativa ao capitalismo", emenda Joffilly, que completa: "O pior já passou. Está baixando a poeira do muro."